Públio José – jornalista
(publiojose@gmail.com)
O mundo inteiro chorou a morte do arquiteto Oscar Niemeyer. Aliás, pela fama, pelo conceito, Niemeyer não era mais visto pelo mundo somente como arquiteto. Ultrapassara essa barreira e já pertencia ao terreno das celebridades, pelo qual era tratado simplesmente por Niemeyer. O fato é que seu desaparecimento alcançou dimensões planetárias, com a imprensa repercutindo sua morte em alta escala. Comentários pipocaram em toda parte – de chefes de estado, artistas, políticos de todos os matizes, personalidades das artes, da música, do esporte – enaltecendo sua criatividade, sua originalidade, sua obra profissional. TVs promoveram programação especial; jornais foram às ruas com edições exclusivas; sites, blogs e redes sociais exaltaram seu nome. Em todos os manifestos o realce de um ponto: o panteão a que Niemeyer elevou a curva em seu trabalho. Monumental trabalho.
Ao que se fala, antes dele, o mundo da arquitetura privilegiava o reto, o traço retilíneo, o simples preenchimento dos espaços com paredes em linha reta. (Nesse sentido, lembro-me do movimento arquitetônico da década de cinqüenta que criou o estilo funcional. Era tudo muito reto. Colunas elegantes, porém de traços retos, em forma de “v”, segurando pesadas lajes de concreto – também retas. O estilo funcional reproduziu-se Brasil a fora, sem nada de novo, de criativo e original a acrescentar à arquitetura brasileira). Foi nesse período que Juscelino decidiu construir Brasília e entregá-la à criação de Niemeyer. Aí ficou notório ao mundo o novo, o inigualável, o arrebatador traço de Oscar Niemeyer. E mais: a própria obra simbolizando o surgimento de uma nova escola: a curva em lugar de destaque. Prédios oficiais de lindíssimo traçado; repartições públicas em concepção antes numa imaginada.
Não à toa, com sua morte, Niemeyer foi nomeado o pai da curva – a gênese de um trajeto que resplandeceu pelo mundo e teve seu ponto alto na construção de Brasília. A partir dela, a curva coube em tudo: templos religiosos, palácios reais, museus, memoriais... Com Niemeyer, a curva se revestiu de forte elemento poético no frio contexto do concreto. Daí se dizer que Deus criou Niemeyer – e Niemeyer criou a curva. Mas, há um lugar em que a curva não se encaixa bem. Há um lugar onde a curva não resulta em visão poética; onde não é o melhor elemento a ser empregado. Nesse lugar a leveza da curva representa perigo, corrução, morte. Nesse lugar, a melhor alternativa é o reto; nele, a concepção arquitetônica se aperfeiçoa ao utilizar o reto. Esse lugar também é campo de batalha entre o reto e a curva. O reto firme. Como o aço da lança, da espada. Reto. A curva dengosa, escorregadia, traiçoeira. Curva.
Esse lugar chama-se caráter – cidadela que abriga as características da índole do indivíduo. Nela, o emprego da curva resulta em arquitetura distorcida, de onde se origina a corrução, a violência, desonestidade, cabreirice, esperteza, morte. As pessoas que utilizam a curva em seu caráter são dadas à mentira, à invencionice, ao roubo, à falta de escrúpulo. Veja-se o político, de curva no caráter, perorando ao ser flagrado em roubalheira; veja-se um assassino, se utilizando da curva em seus motivos, tentando justificar o crime; veja-se um servidor público, desviando o leite das crianças, para se concluir: nele, o caráter tem curva; veja-se um magistrado de caráter sinuoso: ele vende sentenças. Isso sem falar em assaltantes, traficantes, mensaleiros – gente que, com a curva no caráter, não vê limite aos seus intentos. Enfim, na arquitetura do caráter o reto é fundamental. Já a curva... Continue a brilhar na obra de Niemeyer.
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