Fabiano Pereira
Arquiteto
“Deus deu ao homem um pênis e um cérebro, mas, sangue suficiente para abastecer apenas um de cada vez.”, sentenciou Robin Williams. Catherine Hakim, em seu “Capital Erótico”, chama isso de “déficit sexual masculino”. A festejada antropóloga Margareth Mead afirmou que a monogamia é o mais difícil de todos os arranjos conjugais humanos. “O Mito da Monogamia”, escrito pelo biólogo David Barash e pela psiquiatra Judith Eve Lipton, explica, detalhadamente o porquê dessa afirmação da antropóloga. Allan e Barbara Pease, em “Atração Sexual”, são objetivos e duríssimos em definir a diferença básica entre homens e mulheres: “A mulher quer um homem para satisfazer todas as suas necessidades; o homem quer todas as mulheres para satisfazer sua única necessidade: sexo”.
São brutais essas constatações, mas, mesmo assim, sabemos que a monogamia costuma funcionar bem para aqueles que realmente a querem, embora “bata de frente” com esse desejo inato. Onde estará o segredo dessa superação?
As novas técnicas usadas para escanear o cérebro, como a ressonância magnética funcional e a magnetoencefalografia, abriram um mundo de possibilidades para o entendimento da nossa espécie. É o que afirmam os autores do best seller “Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor?”. Do ponto de vista biológico, temos um padrão, um default. Cientistas ligados às maiores e mais bem conceituadas universidades do mundo em pesquisas acerca do modo como o cérebro humano opera, a partir do encontro do parceiro ou parceira desejada, concluíram que existem três sistemas cerebrais diferentes e sequenciados para o jogo do amor. Para facilitar o entendimento do público em geral, as etapas foram nominadas de desejo, amor romântico e compromisso duradouro. Cada uma delas está associada a uma atividade hormonal distinta, que desencadeia sentimentos específicos e mudanças comportamentais nos envolvidos. Os livros citados fundamentaram suas afirmações em estudos sérios e atuais. São fatos incontestáveis à luz fria da ciência, baseados em trabalhos, pesquisas e observações de casos concretos. Nada tem origem em crenças populares, mitos, posição das estrelas e outras balelas.
É fascinante ver como a sabedoria popular sempre se antecipa à ciência. É velha, conhecida e emblemática a história do teste que afere a inevitável “descida de ladeira” do tesão nos casamentos. A princípio sugere-se que se coloque um preguinho numa tábua para cada relação sexual que o casal tiver no primeiro ano do relacionamento. A partir daí, os filósofos da vida garantem que se você tirar dois preguinhos por cada “afogadinha de ganso” dada morrerá muito antes de esvaziar a tábua.
A ciência da universidade se coaduna com a ciência dos botecos. A fase do desejo dura, em média, um ano e isso é fato consumado! Como não tenho autoridade para falar da psique do universo feminino, me deterei a fazer minhas elucubrações dos fenômenos ocorridos no mundo dos machos, quando se deparam com essa anestesia parcial da “libido caseira”. Na prática, a maioria dos cidadãos ou transgridem ou sublimam!
A transgressão é, via de regra, um ato de covardia. Quando comentada abertamente, traduz um mix de autoafirmação com marketing pessoal adolescente.
Em contrapartida, a observação da sublimação - termo freudiano – é divertidíssima e uma de minhas diversões favoritas. Ela é fantástica porque é velada, dissimulada, bloqueada. Vive “embaixo do tapete” e, na maioria das vezes, não é percebida pelo próprio homo sapiens sublimis. Estando atento ao teatro social é fácil perceber, principalmente nos amigos mais próximos, quais são as suas “rotas de fuga”.
O trabalho em excesso e a religião ocupam, sem sombra de dúvida, o topo da hierarquia da sublimação.
O trabalho dignifica e, quando realizado com coerência e competência, além de oferecer qualidade à manutenção da prole, torna-se essencial para o indivíduo ser aceito e admirado no nosso contexto social. No entanto, trabalhar os três expedientes, estudar assuntos relativos ao trabalho nos finais de semana, ter uma agenda abarrotada de viagens e reuniões, entre outras coisas, pode gerar o status almejado, mas acusa o golpe patológico. Está se escondendo de quê? Quanto maior a fuga, maior o desejo de preencher os horários e ser visto pela esposa e filhos como um mártir. Ficam para as horinhas vagas os “imprescindíveis” contatos empresarias em cafés, restaurantes, etc. Sem os happy hours lobísticos não há como ganhar o pão de cada dia, diz o sublimador-mor num surto de autoilusão. Na volta para casa, a exaustão e o stress são importantíssimos para justificar a luta e a falta de desejo sexual.
A religião também pode funcionar como uma grande válvula de escape. Pode ser qualquer uma! O que determina a “psiloca” é o engajamento excessivo. Se for católico ele será da carismática. Fará parte do coral que ensaia as músicas nas noites de quinta, sexta e sábado, a fim de cantá-las fervorosamente na missa do domingo. De quebra fará parte de umas duas ou três pastorais. Em uma delas, a título de colaboração, assumirá a coordenação geral regional.
Nas igrejas evangélicas, a confiança e a adoração das “ovelhas” para com os seus pastores, vistos como verdadeiros guias espirituais, são as características mais marcantes. Um pobre pecador, possuído por uma angústia infernal, associada a um sentimento de culpa insuportável, procura seu pastor e mantém o seguinte diálogo:
- Pastor Raio Laser, ore por mim! Eu quero que o senhor continue acreditando que amo minha mulher. Graças às suas santas palavras eu estou conseguindo tirar a Ritinha da farmácia de minha cabeça. Eu não posso ter minha alma maculada pelo adultério!
- Sangue de Cristo tem poder, meu filho!
- Hoje está fazendo nove dias que nem “aquela coisa” eu toco mais em homenagem a Ritinha.
- Oh, lapa de glória! Oh, lapa de glória, meu filho!
Fingimos e o que sentimos, uns para os outros. Essas “verdades” artificiais são uma espécie de software cultural do politicamente correto. O que difere o hobbie da sublimação é a coisa desmedida, o excesso, o exagero. Na segunda existe algo de compulsão cega. O futebol e a roda de amigos, envolvendo bebidas e música, também são grandes “portas de saída”... Eu até entendo que o sujeito com bom nível sociocultural vá ao campo de futebol, uma ou duas vezes por mês, se morar em Barcelona para assistir ao clássico de lá. No entanto o que eu vejo aqui, na nossa querida e ensolarada terrinha, não deixa dúvida que se trata de uma substituição clara do “despombalecimento” crônico. Tem gente graúda que assiste todos os treinos semanais de ABC e América. Conheço uns que faltam dois dias de trabalho, pagam passagem aérea e hotel de luxo apenas para assistir esses times jogarem, no outro lado do Brasil, comemorando o grande feito de ter escapado da terceira divisão. Trata-se de sublimação na sua maior pontuação: o grau 5!
Na terça um pagode no Bar Brahma; na quinta, aquele encontro na cigarreira com os amigos da velha guarda, sem hora para acabar. A sexta à noite é inegociável, pois o violão de Zé de Loa vai rolar! Beber no sábado, a partir das onze da manhã, é sagrado e reservado para as novas amizades. Aliás, esse é o principal aconselhamento para quem quer encontrar a felicidade plena nos livros de autoajuda. “O domingo é o dia da patroa!”, diz o cu-de-cana, com a autoridade típica dos “grandes chefes de família”. A propósito, essa carapuça me persegue!
Numa porção menor em volume de adeptos, mas não menos intensos na “carreira”, existem os criadores de cães de raça e suas exposições contínuas, os “peões” de vaquejada, os clubes de pesca, de moto, de byke, entre tantas outras atividades escapistas.
Os autores citados no início desta crônica tiveram o cuidado – nos últimos capítulos de seus livros – de afastar a ideia de que essa “marca” biológica constitui um sério abalo à instituição do casamento. No entanto, não foram claros quanto à solução do dilema. A título de colaboração, abriremos a fórmula secreta para as mulheres que sonham em fazer bodas de ouro, felizes, sem percalços nem “sustos” no casamento. O segredo é só se relacionar com workaholics, beatos, maníacos por esporte, boêmios inveterados... Ou seja, VIVA OS SUBLIMADORES!
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