quinta-feira, 16 de julho de 2015

Fliper


Leonardo Sodré
Jornalista

Fliper não é um golfinho como o nome sugere. É um cachorro parecido com um “Cocker Spaniel” inglês. Sua mãe deve ter sido da raça, mas o pai é seguramente um VLPO (Vira-lata Puro de Origem). Fliper é tranqüilo e todo o dia passeia com o seu dono, o ex-procurador do Estado Paulo Barra, pelas imediações da Matriz de Santa Teresinha, até por volta das 18h30, quando então se instala ao lado do seu dono na cadeira mais voltada para o sul, no Bar Azulão, enquanto Paulo toma uma ou duas cervejas holandesas, sem açúcar.

Nada altera Fliper. Nem os carinhos dos freqüentadores do bar mais charmoso de Natal. Apenas uma coisa lhe irrita: o baixo tom dos motores a diesel dos alternativos que ainda teimam em passar pela avenida Afonso Pena, embora a avenida Rodrigues Alves, muito mais larga, esteja ao longo de toda ela. Coisas do poder público que a maioria dos mortais nunca vai entender. Talvez Fliper entenda, porque ele não pode ver um alternativo que perde completamente a compostura canina, que exibe durante a maior parte do dia, e mostra os dentes querendo morder, matar, trucidar. Estica a corda e nem o seu dono, Paulo Barra, consegue conter seus latidos. Ele não gosta de alternativos e deixa isso bem claro.

O cenário de hoje, no Azulão, estava parecido com os dos outros dias da semana que começou na terça-feira por causa do feriadão. Na mesa ao sul, o engenheiro Manuel da Costa Neto, doutor Neto e o advogado Paulo Barra, devidamente acompanhado de Fliper. Na outra, o músico e funcionário público Mário Henrique de Faria, o bancário aposentado José Carlos Menezes e eu.

O conversa era boa e estávamos apenas na metade da solução dos problemas brasileiros, quando Mário Henrique teve uma dúvida legal sobre matrimônio e propôs:

- Paulo Barra, deixe Fliper com doutor Neto e venha para nossa mesa tirar uma dúvida jurídica que pode mudar a minha vida. Sou quase um ex-solteiro! Dramatizou para atrair o interesse do advogado.
Paulo, que adora conversar e entende muito de direito, olhou para doutor Neto, que aquiesceu de pronto.

- Pode deixar o bichinho comigo que eu tomo conta. Disse isso e foi logo enrolando a coleira no pulso esquerdo, já que o direito estava ocupado com uma dose de “Black”, temperada com duas pedras e meia de gelo.

Enquanto Paulo Barra chegava a nossa mesa, o imbróglio canino aconteceu. Pára, na esquina da avenida Afonso Pena com a rua Apodi, um alternativo com um motorista enfezado (qual motorista de alternativo não é enfezado?) que começa a buzinar e a acelerar para forçar a saída de um carro mais lento. Fliper, acostumado com a coleira de Paulo Barra, sempre atenta e esticada na metragem certa, sentiu que o comando de doutor Neto era mais flexível, amigo, por assim dizer, e fez carreira para tomar satisfações com o motorista, levando a reboque o seu guardião.

A cena – por assim dizer cinematográfica -, ficará na história da boemia de Natal. Imagine um cachorrinho pequeno, de uns 12 quilos, puxando um homem de quase uma arrouba ônibus adentro. Ainda vi que o destino do alternativo, pelos dizeres da porta, era a Ribeira. E lá se foi doutor Neto e Fliper, que mordia o motorista e o cobrador, avenida Afonso Pena abaixo com destino ao ex-bairro boêmio.

A dose de Dr. Neto, pela metade, ficou abandonada na mesa. Paulo Barra e Mário Henrique, que conversavam sobre o novo casamento do último, nem notaram.

Aí, José Carlos Menezes, que não deixa barato nem jogo de porrinha, disse ao dono do bar:

- Dequinha, doutor Neto foi tomar uma com o cachorro de Paulo Barra lá na Ribeira e voltam já. Segure a conta...

Eu juro!

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