domingo, 7 de outubro de 2012

MEMORIAL DO CABARÉ DE MARIA BOA –



Por Aurino Araújo
Escritor

Andorinha, bagageira,
Bagaxa, barca, biscaia,
Bruaca, bucho, biraia,
Perdida, quenga, Loureira,
Coia, gansa, cantoneira,
Mulher da vida, rameira,
Rongó, sutrão, alcoceira,
Miraia, cuia, mundana,
Findinga, frega, fubana,
Zoina, lúmia, zabaneira...

Eu pensava que o bicho que tinha mais apelidos e sinônimos, era aquele
impublicável “monossílabo tônico”,(que, na realidade é átono...) como
assim o chama uma velha amiga, referindo-se a uma parte da anatomia
humana, localizada na traseira dos indivíduos. No entanto, a palavra
“meretriz” – garantem os dicionários -  tem mais de noventa! Mas, meretriz
é uma palavra muito dura, contundente. Por isso, prefiro mesmo “rapariga”,
que é mais suave, poético até. Em Portugal, como se sabe, não tem o
sentido pejorativo que carrega aqui, no Brasil. Segundo um querido amigo,
médico, matuto, fazendeiro e escritor – referindo-se mesmo às brasileiras
– rapariga sempre foi um “artigo de primeira”...E quem, do lado de cá do
gênero humano masculino, hoje na meia-idade ou velhice, não experimentou
aquele “artigo”???

                                      TODO CABRA, SENDO MACHO,
                                      JÁ ANDOU COM MERETRIZ
                                      Positivamente, acho,
                                      É fato curricular,
                                      Sem vergonha, vou contar:
                                      TODO CABRA, SENDO MACHO,
                                      Quando novo, tinha “cacho”,
                                      Como, na gíria, se diz.
                                      Do amor, foi aprendiz,
                                      Na “zona” , tendo cursado.
                                      Se é homem, no passado,
                                      JÁ ANDOU COM MERETRIZ

Cercada de muros altíssimos – qual uma fortaleza de guardar donzelas, nos
tempos medievais – protegida dos olhares indiscretos e sombreada por
frondosas mangueiras, a boate de Maria Boa estava para o mundanismo local,
assim como Harvard está para as universidades americanas. Era, pois, o
“crème de la crème”. Apenas com uma discreta entrada, pela pouco
movimentada rua Padre Pinto – aliás, o patrono daquela rua certamente
estaria dando umas cambalhotas no túmulo se soubesse que o enderêço mais
conhecido do logradouro abrigava uma “pensão alegre”(terá sido ele o
Jesuíta português Antonio da Costa e Oliveira Pinto, diretor da Companhia
de Jesus, para o Nordeste?) – a mansão tinha o salão principal voltado
para o sítio de mangueiras, acessível por uma escadaria que começava no
chão de terra, pátio de estacionamento para muitos carros. Era um vasto
terraço que servia de “dancing”, rodeado de mesinhas arrumadas junto a uma
meia-parede de proteção, já que o salão ficava a uma boa altura em relação
ao quintal arborizado. Dali, se viam pedaços do Potengi, através das
brechas entre as folhagens dos pés de manga. O chão do “dancing” era
decorado com mosaicos coloridos. Na parte da frente tinha um terraço
menor, semi-privado, para especiais freqüentadores, onde um enorme balanço
de ferro dominava o ambiente. Esse terraço, também tinha uma escadaria
dando para o chão de terra. Assim, se alguém importante quisesse entrar e
sair sem ser visto, usava aquela entrada. As raparigas de lá, eram
realmente “artigos” de primeira linha, a começar pela patronesse –
privilégio de poucos, aliás, pouquíssimos. Às vezes, apareciam por lá
verdadeiras “jóias”, como aquela, por exemplo, parecidíssima com a atriz
mexicana Maria Felix, que, nos anos cincoenta foi objeto de desejo de mais
da metade dos homens natalenses.  “Maria Felix” certa vez procurou um
modesto telegrafista local – hoje, empresário aposentado – que, àquela
época num tinha dinheiro nem para o táxi e entregou-se a ele “de graça”.
“Mas, por que eu? Perguntava o felizardo, diante daquele manjar do céu”. É
porque você é o único, nesta cidade, que não presta atenção em mim”...Pois
é, aquela deusa, avidamente disputada por quem podia pagar caro por uns
momentos de aconchego em seu leito, preferia dar ao humilde operador, o
que negava aos que compravam seu corpo.
                                   
                                      P´ROS RICAÇOS, SE VENDIA,
                                      MAS, P´RO OBREIRO, SE DAVA...
                                      Orgulhosa e arredia,
                                      Palpitava corações
                                      E, sem amor, sem paixões,
                                      P´ROS RICAÇOS, SE VENDIA.
                                      O homem que ela queria,
                                      Para ela, nunca olhava,
                                      Mas ela, que o amava,
                                      Com jeito, o conquistou.
                                      Dos outros, caro, cobrou,
                                      MAS, P´RO OBREIRO, SE DAVA...

Já aqueloutra, tão desprovida da “finesse” de “Maria Félix”, porém bem
mais “moderna” que esta – no tempo e nos costumes – era cobiçada e
disputada principalmente pelo tamanho de sua “mala”... O “baú” da dita
alcoceira  era realmente de dimensões paquidérmicas e deixava no maior
ouriço a turma que gostava de “andar na contra mão”. Eis que, um belo dia,
um cavalheiro a quem a Mãe Natureza – num rasgo de sovinice – negou um
dote maior àquele apêndice- símbolo da masculinidade, fez contrato com a
citada ganapa objetivando explora-la pelo lado da “preferência
nacional”...Foi um embate desastroso, porque, após vários minutos de luta,
ela, como profissional competente, sentindo que não se consumava a parte
introdutória contratual, perguntou ao valente jóquei se ele não queria que
ela “facilitasse” as coisas. Já quase sem fala, o distinto respondeu:
havia muito que já estava “lá dentro”...E a dinossáura num tava nem
sentindo...

                                      PERDIDO EM MEIO AO VALE
                                      ENTRE MONTANHAS DE BANHA
                                    Inda hoje tem quem fale,
                                      Dum fato que aconteceu:
                                      Um homem quase morreu,
                                      PERDIDO EM MEIO AO VALE.
                                      Quem souber disso, se cale,
                                      Sobre essa coisa estranha.
                                      A peleja foi tamanha,
                                      Que, as fôrças, exauriu,
                                      Do sujeito, que sumiu,
                                      ENTRE MONTANHAS DE BANHA.

Essas estórias todas eram sempre relembradas durante “happy hours” que lá
haviam, quando se tomava um bom uísque ou uma cerveja geladinha,
saboreando um gostoso “galeto” na brasa, iguaria da qual o cabaré de Maria
Boa foi pioneiro por estas bandas. O termo “faturamento”, para designar as
atividades das bebenas, também foi inventado lá, por um famoso gerente de
banco. “cadê fulana?” “Ta faturando!” – E, as feijoadas? Dia de Ano Novo,
era também dia de feijoada na Padre Pinto, tendo como convidados aqueles
freqüentadores mais assíduos e amigos da casa. Tempos atrás, a cidade de
Natal alvoroçou-se com a notícia de que uma grande empresária ia dar uma
festa de “reveillon” jamais vista aqui, na praia de Muriú. Os convites
para o evento, impressos em papel especial e criados por uma grande
agência de publicidade local, foram disputados à tapa, sendo que os
preteridos amargaram severa derrota social. Pois bem: as feijoadas de
Maria Boa eram tão disputadas quanto o tal reveillon...Mas, nada de
“faturamento” nessas ocasiões. Até porque, depois de uma feijoada braba,
manda a prudência que se tenha cuidado. Aqueles almôços propiciavam uma
boa ocasião para se observar as meninas ao natural e de dia, sem dois
elementos altamente dissimulatórios: as pesadas maquiagens e a luz
propositalmente fraca, nas horas de “expediente”. Uma farra “da pesada” em
Maria Boa já defenestrou um importante executivo de fora, que aqui estava
chegando para comandar a filial de uma grande empresa. O homem – num
excelente trabalho de relações públicas – levou metade do PIB natalense
para a rua Padre Pinto e patrocinou um bacanal digno dos tempos de
Herodes, rei da Judéia. Conquistou a amizade e a simpatia de ótima
clientela em potencial, mas não conseguiu convencer os auditores de sua
empresa que, aliás, tornou-se uma das mais operosas e integradas à
comunidade. Aquela farra monumental acabou com uma promissora carreira,
pois, o executivo nunca mais obteve um cargo de importância como o que
tinha, depois daquele festival...

                                      UMA FARRA DA PESADA,
                                      DEFENESTROU O GERENTE
                                      Muito bem organizada,
                                      P´ra gáudio da freguesia,
                                      Foi feita, naquele dia,
                                      UMA FARRA DA PESADA,
                                      Para a qual, foi convidada,
                                      Com certeza, muita gente,
                                      Pronta p´ra virar cliente.
                                      Mas, custou tanto dinheiro,
                                      Que a empresa, bem ligeiro,
                                      DEFENESTROU O GERENTE.

Dentre as lúmias de Maria Boa, tinha uma que realmente sabia vender sua
“mercadoria”. Era entrar lá um figuraço e ele ia recebe-lo na porta,
dengosa e insinuante. Em determinada época, correu o boato de que estaria
tuberculosa – ela tinha voz rouca e fumava intensamente – o que fez muita
gente recusar seus serviços. Mas, o tempo passou, o boato nunca foi
confirmado, ela saiu de lá, casou com um sujeito rico e, hoje, é
respeitável viúva, cheia da grana. Administrando alguns  negócios deixados
pelo falecido, atualmente ela é – verdadeiramente – uma dama. Sem aspas...
Doutra vez, tava lá aquele figurão importante, pessoa muito conhecida e
bem relacionada na sociedade local. Apaixonado, olhava embevecido para o
objeto do seu desejo, uma findinga já meio coroaça – à altura dele, pois o
home já era entradão nos anos – que era, então, “exclusiva”, isto é,
somente “ia” com ele. (Há quem garanta? Positivamente, não sei).
Aparentemente, o cidadão tinha exagerado nos drinques preliminares, pois,
já meio bêbado e abestalhado, usava o próprio copo de uísque à guisa de
cinzeiro...E nenhum dos presentes teve coragem de avisa-lo.            
                                     
                                      CEGAMENTE APAIXONADO,
                                      DO COPO, FEZ UM CINZEIRO.
                                      O doutor, embriagado,
                                      Nas mãos, o copo, trazia,
                                      Nem sabia o que fazia,
                                      CEGAMENTE APAIXONADO.
                                      No rosto, riso safado,
                                      Nos olhos, brilho matreiro,
                                      No bolso, muito dinheiro.
                                      Um cigarro, ele fumava,
                                      Tão embevecido, tava,
                                    DO COPO, FEZ UM CINZEIRO.

Aquele outro cidadão, alto comerciante, tinha uma “garçoniere” p´ros lados
da Ribeira, onde, aos sábados, costumava chamar os amigos para uma
feijoada preparada pelo seu “amor” – uma das murixabas de Maria Boa. Esses
ágapes terminavam sempre com o anfitrião curtindo sua embriaguês numa
rede, enquanto sua quenga invariavelmente “faturava” para um dos
convidados(às vezes, para mais de um...)Aparecia, também, em Maria Boa,
vez por outra, aquele camarada sempre “liso” mas que, tendo caído nas
graças de alguma miraia , bebia e comia – em todos os sentidos – sem pagar
nada. Porém, certamente alguém teria de pagar a conta...Duma feita, tava
lá um desses “cavalheiros”, predileto de uma das ervoeiras da casa, a qual
abastecia sua mesa com comida e bebida surrupiadas discretamente – pensava
ela – da mesa do “coronel” que a encampava, naquela noite. O gostosão
regalava-se à larga quando, de repente, se viu sob a mira do 38 do coronel
– famoso por sua brabeza – que, aos berros, aconselhava-o a beber e comer
por sua própria conta pois já tava farto de ver sua mesa
“aliviada”...Refeito do susto o “pé-de-lã” tratou de escapulir-se,
discretamente. Outras inesquecíveis pândegas armadas na pensão foram
protagonizadas por um alemão enorme, que trabalhava numa multinacional
conhecida – hoje, com operações desativadas na praça – cujo gerente local
era um dos mais conhecidos e folclóricos freqüentadores da Padre Pinto. As
farras começavam com o alemão chegando à casa do gerente – sempre após o
jantar – para avisa-lo  que “tinha aportado um navio, que tinha de ser
urgentemente carregado, etc. e tal”...Embora ciente da trama adredemente
preparada, o gerente fingia mau humor e soltava impropérios contra aquele
chucrute chato, enquanto trocava o pijama. Tudo “cinema”, para
impressionar a cara-metade, que ficava penalizada com o “sacrifício” do
marido. Mas, o “porto”, num era aquele à beira do Potengi e sim o sítio de
mangueiras da Padre Pinto...À espera-los, um grupo de andorinhas do
primeiro time – uma das quais, “caso” do gerente, tinha até mesmo sido
funcionária da tal multi. Depois de muitas cervejas, as cenas “estreladas”
pelo dito alemão eram dignas das maiores pornochanchadas dinamarquesas,
tão comuns nos fins dos anos sessenta. Naturalmente, descreve-las é
impossível. O enorme gringo talvez até tenha sido porno-ator...

                                      DAS FAÇANHAS DO ALEMÃO,
                                      SADE SE ENVERGONHARIA...
                                      Era pesado, o rojão,
                                      Só alguns, agüentavam,
                                      E, poucos, participavam,
                                      DAS FAÇANHAS DO ALEMÃO.
                                      Aquele enorme saxão,
                                      Sendo o rei da baixaria,
                                      Com certeza, ganharia,
                                      Do Marquês, em safadezas,
                                      Pois, vendo suas proezas,
                                      SADE SE ENVERGONHARIA...

Tinha, também, a turma da tardinha, composta por aqueles que temiam
enfrentar a ira doméstica, chegando em casa de madrugada. Esses,
discretamente, marcavam seus encontros com as biscaias de lá, para os fins
de tardes. Essa “discrição”, aliás, era furada pois eis que um grupo de
senhoritas, moças de boas famílias e muito bem comportadas, descobriu a
manobra e todas as tardes encarapitava-se na janela do último andar de um
casarão das redondezas, de onde observava – anotando até placas de carros
– aqueles discretos freqüentadores. Consta que no “cadastro” do grupo era
grande a lista de respeitáveis senhores...

                                      AS MOCINHAS, DA JANELA,
                                      VIAM OS QUE, LÁ, ENTRAVAM.
                                      Muitos, em escapadela,
                                      De preferência, à tardinha,
                                      A observa-los, tinha,
                                      AS MOCINHAS, DA JANELA.
                                      Naquela mansão, tão bela,
                                      Toda tarde, lá, ficavam
                                      E, em tudo, reparavam.
                                      As meninas, rindo à toa,
                                      De olho em Maria Boa,
                                      VIAM OS QUE, LÁ, ENTRAVAM.

Numa das memoráveis feijoadas do Dia de Ano, o gerente de um banco local –
convidado de honra – descobriu, por acaso, o responsável por um desfalque
recentemente ocorrido em seu banco. É que uma das frangaiolas presentes,
“material” novo na casa, ao conversar com ele revelou-se surpresa ao
sabe-lo gerente daquele banco, pois seu “amorzinho” trabalhava
lá...”Amorzinho” era um contínuo(ASG, como é chamado hoje), portanto, sem
condições de “patrocinar” um avião daqueles. O gerente nem comeu direito
sua feijoada. Saiu direto à procura de “amorzinho”...

Na velha Ribeira, funcionava a
Radional, de onde se podia telefonar
para o Brasil e para o mundo. Na
calçada daquele estabelecimento,
escorado no seu vistoso Simca
Chambord, de duas cores, o diretor
de prestigiada repartição do Governo
conversava com um amigo, quando três
elegantes senhoritas – COM FORTE
SOTAQUE CARIOCA - entraram para
telefonar. Um aceno, um flerte, uma
encostada e logo as três, acomodadas
no banco de trás do carrão, tiveram
direito a um “tour” completo pela
cidade, ciceroneadas pelos dois, que
as convidaram para um jantar, com
vistas a um subseqüente programa
mais íntimo.

O “sim” foi recebido com a maior excitação. Apenas – disseram elas –
queriam passar “em casa” para trocarem de roupa, etc. Mas, a excitação
“murchou”, quando eles perceberam que aquelas elegantes senhorinhas eram
inquilinas da rua Padre Pinto...

                                      AQUELAS TRÊS “CARIOCAS”,
                                      MORAVAM EM MARIA BOA...
                                      Os dois, perfeitos bobocas,
                                      Os cicerones, bancaram
                                      E Natal toda, mostraram,
                                      ÀQUELAS TRÊS “CARIOCAS”,
                                      Donas de belas pernocas,
                                      Cabeleiras de leoa,
                                      À elas, teceram loa,
                                      Dispensaram mordomias,
                                      Sem saber que as vadias,
                                      MORAVAM EM MARIA BOA.

Acho que as acontecências do Cabaré de Maria Boa dariam um livro completo.
E grosso! Das aventuras do amofinado amante daquela biraia muito
engraçadinha, que muitas vezes pulou a janela, ao ver o “coronel” dela
chegar, para não levar um tiro (dá p´ra acreditar que um sujeito tivesse
uma amante num cabaré e acreditasse que ela ficava “quieta” nas suas
ausências?) à valentia daquele viajante de quase dois metros e muito
brabo, a crônica daquela casa merece ser escrita um dia até mesmo porque –
por trás daquilo tudo – reinava a figura discreta e influentemente
poderosa de D. Maria Oliveira Barros, que avalizava títulos nos bancos,
para alguns figurões locais...

Um comentário:

  1. AFF vim ate essa pagina por pensar que se tratasse de uma materia, mas nao... :T

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