domingo, 16 de setembro de 2012

Carta a Diógenes de Abdera


Meu estimado filósofo,

Veja só o que me aconteceu, outro dia. Ao querer imitá-lo - saindo em plena luz do meio dia com uma lanterna, a procura de um homem honesto-, sabe o que me aconteceu?! Fui assaltado: levaram a minha lanterna!... Tudo bem eu sei que foi um típico caso de ladrão que rouba ladrão, afinal não sou mesmo um “ladrão de citações”?

Pois é, meu caro Diógenes, feliz era você, que mesmo convivendo com uma sociedade corrupta, ainda podia sair nas ruas da Grécia antiga, e não ser assaltado. Podia morar num barril, apenas com um alforje, um bastão e uma tigela, e ninguém ousava tirá-las de você. Hoje, com a modernidade, no mundo das conexões rápidas, dos chips, das máquinas, da robótica, o chique é ser desonesto em todos os lugares... Outro dia, estava em São Paulo, num encontro de medicina e a noite sai para jantar com um amigo. A comida que sobrou, resolvemos colocar numa quentinha e entregar ao primeiro mendigo que encontrássemos. Ao descermos do taxi, havia um deitado, dormindo, debaixo de uma marquise. Coloquei a comida ao seu lado, na esperança de que ao acordar, ele teria algo para comer. Aí um pipoqueiro que estava próximo me alertou: “Senhor, não deixe ai não, pois vão roubá-lo!”.

Foi impossível não me lembrar do seu companheiro de profissão, o filósofo Jean-Yves Leloup e o seu comovente relato, no magnífico livro “O absurdo e a graça”, que conta a vida dele perambulando pelas ruas da França, a procura de paz: “Aconteceu que uma noite não encontrei mais minha mochila, devem tê-la tirado de mim, em um segundo, enquanto eu cochilava. Isso para mim foi um sofrimento real, eu me havia identificado tanto com aqueles pedaços de frases que sem eles minha vida não tinha mais sentido. Não chorava pelos meus documentos de identidade; chorava pelos meus poemas, chorava também pela miséria, pela injustiça... como é que um pobre pode roubar outro pobre? Não havia um tostão em minha mochila, lá só estava o meu tesouro, o brilho de duas ou três palav ras que, quando juntas, produzem um efeito de música ou de sentido”.

Meu caro Diógenes, toda vez que leio esse relato, confesso que meus olhos ficam marejados de lágrimas. E logo me vem à mente: “Por que o mal existe?”. Difícil essa pergunta, não?! São Tomaz de Aquino talvez tentando respondê-la, dizia: “Se o mal existe, Deus existe”. E eu não tenho dúvida que todas as pessoas nascem boas, pois como ensinou, recentemente, o grande professor de pediatria, Dr. Heriberto Bezerra: “O jovem é puro... se deteriora no caminhar da vida, às vezes por necessidade ou por fraqueza; ou pelas duas coisas!”.

E quando eu falo em homem desonesto, meu caro Diógenes, nem estou mais só falando daqueles que roubam dinheiro, pois como disse no inicio desta carta: o chique agora é ser desonesto em todos os lugares (até nos tribunais éticos, a corrupção é generalizada)... Falo daqueles que roubam nossos sonhos, que destroem as velhas amizades, que são desonestos com a sua própria consciência.

Sócrates dizia que uma vida não reflexiva não valia a pena ser vivida. Afinal, temos dentro de nós o maior de todos os juízes - aquele que trabalha dentro de um tribunal, onde não há como recorrer, nem fazer habeas corpus preventivo, nem delação premiada... Um tribunal cuja sentença é inapelável: a nossa consciência, que nada mais é do que “uma espécie de entidade invisível, que possui vida própria e que independe de nossa razão. É a voz secreta da alma, que habita em nosso interior e que nos orienta para o caminho do bem”.

Então, meu caro Diógenes, não há nada de errado em fazer as seguintes perguntas: “Estou em um caminho de sucesso? Estou em um caminho de santidade? Ou estou em um caminho de autodestruição?”. É fundamental responder a essas questões. Qualquer caminho para o índio Don Juan, do escritor Carlos Castaneda, é apenas um caminho. “E não constitui insulto algum – para si mesmo ou para os outros – abandoná-lo. Quando assim ordena o coração (...) olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas julgar necessárias... Então, faça a si mesmo e apenas a si mesmo uma pergunta: possui esse caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui importância alguma”...

Meu caro Diógenes, como tenho utilizado o meu coração nestes dias. Fiz - com um profissional que se “queixava” de ser médico (nem um robô seria tão frio! Agradeci a Deus ao sair do exame, por saber que ele não tinha sido meu aluno: menos uma culpa para carregar nas costas)-, até um teste de esforço para avaliá-lo. Tudo isso para poder utilizar esse órgão - que bate muitas vezes descompassado pelas incompreensões, pelas ingratidões, pelas críticas muitas vezes infundadas e motivadas sei lá porque, etc. etc. -, de forma a julgar melhor e perdoar: “Pai, eles não sabem o que fazem!”.

Tenho utilizado esse meu miocárdio, para ver melhor aqueles que um dia idealizei como exemplos de ética e retidão moral e que olhando um pouco mais de perto, não passam daquela imagem sonhada por Nabucodonosor, com os enormes pés de barro, e que basta jogar um pouco de água para eles se transformarem num mar de lama... é preciso olhá-los com o coração, para entendê-los e poder colocar em pratica a caridade, pois sem ela não há salvação!

Portanto, permita-me terminar essa carta, meu caro Diógenes, com a seguinte oração: “Devemos igualmente amar nossos inimigos. Se ajudei a alguém o melhor que pude e se essa pessoa me ofende da maneira mais ignóbil, possa eu olhar essas pessoas como meus maiores mestres, pois eles nos permitem testar nossa força, nossa tolerância, nosso respeito aos outros... Compaixão e felicidade são a mesma coisa!”.

Um forte abraço! Até um dia, meu caro Diógenes!

Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor.

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