segunda-feira, 23 de abril de 2012

O SENHOR TEMPO AGINDO EM NOSSAS VIDAS




Por Flávio Rezende*
         
            Sempre que posso dou uma caminhada no período da manhã. É um momento muito prazeroso, de reflexões mais aprofundadas e tomada de decisões, que o tumulto do resto do dia impede de se processar de maneira mais ampla.
            Durante a caminhada observamos também algumas pessoas que terminamos conhecendo superficialmente, fruto de encontros constantes e papos esporádicos. Por causa dessa aproximação, às vezes mais visual que oral, vamos percebendo as mudanças que o tempo vai processando nos outros, uma vez que na gente, é sempre mais difícil de ser percebido.
            Hoje mesmo, voltando da caminhada, encontrei um senhor, que sempre conversava comigo numa padaria que frequentei assiduamente logo que mudei para Ponta Negra. Homossexual, no começo tinha uma conversa um pouco exploratória no sentido de prospectar possíveis tendências idênticas as dele em meu ser. Uma vez que sua sonda sexual não conseguiu similaridade neste aspecto, passou a focar o papo nas coisas mais gerais da vida como a política, a saúde e os problemas do bairro.
            Ativo, caminhava cerca de quilômetros todos os dias, tendo o encontrado em vários pontos do bairro, sempre com passos firmes e conversa pronta para o disparo, uma vez que morava só com uma filha, devendo sofrer de solidão devido a sua idade e distância dos amigos do trabalho.
            Hoje o vi capenga, envelhecido, como se anos na verdade tivessem se intrometido entre nosso último encontro e o de hoje. Já não exibia aquela vontade vulcânica de conversar, os olhos brigavam com as pálpebras, denunciando possível uso de medicamento pesado.
            Levantou a mão mais como despedida do que como tchau e continuou lentamente sua jornada de volta a sua casa. Acredito que o percurso hoje está reduzido ao trecho padaria-lar.
            Dias antes, encontrei outro personagem da mesma padaria almoçando perto do Praia Shopping. Tempos antes, era o defensor intransigente de Lula. Militar aposentado defendia Lula diante de todos nós da confraria, com unhas e dentes. Não tinha uma denuncia de corrupção que ele não tivesse a defesa na ponta da língua, encontrando conspiração da direita e da Veja em todos os libelos acusatórios.
            Neste encontro de sábado, notei pelas costas ao me aproximar, uma limitação de movimentos. Não precisei de muita conversa para atualizar de maneira triste seu estado de saúde. O lulista tinha tido um AVC e ainda fazia fisioterapia para recuperar alguns movimentos.
            Era magro, saudável, também caminhava muito e evitava esses alimentos perigosos que as padarias exibem com o lustro da manteiga, escondendo a morte de maneira primorosa e de layout perfeito para enganar nossos bobos olhos gulosos e imediatistas.
            E assim a vida passa e vai inserindo acontecimentos diversos na vida daqueles que estão ao nosso redor. Um pouco incapazes de ver as mudanças que facilmente percebemos nos demais, em nos mesmos, vez por outra prestamos mais atenção aos cabelos, às internações e, sentindo uma deficiência aqui e ali, vamos nos conscientizamos que a vida está seguindo e nos levando de uma maneira bem sutil.
            Tenho pensado muito na questão do peso. Engordei bastante, carrego a cruz dos primos desse descuido, tendo problemas de pressão, diabetes, tomando medicamentos, tudo radicalmente contrário ao que era tempos atrás, quando praticava meditação, comia alimentos naturais e me locomovia entusiasticamente pelos caminhos da vida.
            Agora mais lento, adiando sempre o começo de um novo começo, acreditando em minhas próprias desculpas amarelas, estressado, com problemas de gerir uma ONG de grande envergadura como a Casa do Bem, com pouco dinheiro e, num sistema que todos dizem já falido, que é de ter voluntários sem remuneração, só com pequenas gratificações, vou seguindo e, sendo observado pelos que me rodeiam que certamente estão, como eu, percebendo que o Flávio Rezende de ontem, já não pode ser percebido no de hoje, no que tange aspectos físicos e até psíquicos.
            Ainda tenho forças para reagir e colocar a casa que alberga esta alma em ordem. Com uma alimentação correta e um corpo físico saudável, recuperarei energias que se somarão ao idealismo que nunca morre para poder alcançar o equilíbrio que tanto preciso para atravessar o mar revolto e chegar a um porto seguro, com a Casa do Bem funcionando legal e, com garra e energia para continuar vivendo e produzindo por muito mais tempo ainda.

*É escritor, jornalista e ativista social em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)

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