Com o objetivo de revelar as graves violações de direitos humanos cometidas na repressão do regime militar no Brasil e despertar a necessidade da reconstrução da memória histórica, o Comitê Estadual pela Verdade, Memória e Justiça do Rio Grande do Norte, em parceria com o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) e o comitê estadual do Partido Comunista do Brasil (PCdoB/RN), realizam o lançamento de um DVD multimídia com a trajetória de vida e de luta do militante político Glênio Sá. O ato acontece na próxima sexta-feira, 29 de agosto, às 18h, no IFRN de Cidade Alta, e faz parte do esforço em contribuir para a compreensão do passado e das lutas e sonhos de toda uma geração que teve o seu projeto de vida interrompido pelo autoritarismo, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica.
A obra compõe a Coleção Memória das Lutas Populares no RN, idealizada pelo Comitê Estadual pela Verdade e o CDHMP “nos seus objetivos de produzir e divulgar relevantes documentos históricos que revelam a memória e o tempo de duros períodos de repressão e tortura durante a ditadura militar”, esclarece o secretário do Comitê Estadual da Verdade, Roberto Monte.
A viúva de Glênio, Fátima Sá, destaca a importância de se ter uma atividade permanente de resgate da memória e da verdade. “O lançamento deste importante instrumento de revelação histórica se insere no esforço em reescrever a história do nosso país em sua plenitude, sem ocultações, vetos e proibições, através da inserção de dignas trajetórias como a de Glênio, iniciada nas lutas do povo brasileiro, pelas liberdades democráticas, pela anistia, pelas eleições diretas e pela Constituinte. Um momento que se faz possível como um privilégio propiciado pela democracia”, ressalta.
Para Fátima, há ainda um caminho muito extenso para se percorrer na tentativa de que a verdade, a memória e a história se tornem conhecidas, sobretudo, para as novas e as futuras gerações. “Este DVD é um convite a celebrar e, sobretudo, refletir sobre o modo como indivíduos, Estado e sociedade podem contribuir para a realização de um roteiro para paz na humanidade, com a construção de um mundo mais justo, mais igual, mais solidário”.
Em seu formato multimídia, o DVD traz, em textos, fotos, vídeos e depoimentos, informações sobre a trajetória do militante político norte-rio-grandense Glênio Sá, que começou a ser desenhada nos movimentos estudantis de 1966, ganhou forma com a Guerrilha do Araguaia (um dos episódios mais violentos da ditadura militar, que resultou em prisões ilegais, torturas e dezenas de mortos e desaparecidos políticos na primeira metade dos anos 70), e foi concretizada na luta pela reestruturação e legalização do PCdoB no seu Estado, o Rio Grande do Norte. Glênio foi o principal dirigente estadual do PCdoB até o ano de sua morte, em 1990, vítima de um mal explicado acidente automobilístico, quando era candidato ao Senado.
Relato de um Guerrilheiro
No ato de lançamento do DVD, serão disponibilizados também exemplares do relato que Glênio escreveu em vida, onde conta sua experiência na Guerrilha do Araguaia. O livro foi publicado no mesmo ano de sua morte, em 1990, pela Editora Anita Garibaldi. A obra, mais do que uma homenagem póstuma à Glênio, é uma contribuição ao resgate deste acontecimento na luta do povo brasileiro pela liberdade.
Jana Sá e Gilson Sá
Jornalistas e filhos de Glênio Sá
Biografia de Glênio Sá
Glênio Fernandes de Sá nasceu no município de Caraúbas, Rio Grande do Norte, em 30 de abril de 1950. É o mais novo dos sete filhos do casal Raimunda Fernandes de Sá e Epitácio Martins de Sá, tendo como irmãos Gilberto Fernandes de Sá, Gilson Fernandes de Sá, Gil Fernandes de Sá, Ivaneide de Sá Fernandes, Ivanete de Sá Fernandes Saldanha, e Epitácio Martins de Sá Filho.
Em Natal, casou-se com Maria de Fátima Beserra de Sá, em 19 de dezembro de 1979, com quem teve dois filhos: Gilson Fernandes de Sá Sobrinho e Jana Beserra de Sá. Em 2003, nasceu sua primeira neta, Ana Beatriz de Sá Vasconcelos.
Glênio Sá iniciou sua participação na luta política partidária muito cedo. No desabrochar da juventude, atuou na linha de frente da resistência contra a ditadura militar, regime que mergulhou o país numa noite histórica de 21 anos marcada pela censura, prisões, torturas e desaparecimentos.
Dois anos depois do golpe militar de 1º de abril de 1964, aos 16 anos, Glênio começou seu engajamento na ação política oposicionista, quando ainda fazia o curso ginasial no Colégio Estadual de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Em 1968, já em Fortaleza, Glênio engaje-se rapidamente no movimento estudantil cearense, do qual passa a participar ativamente, quando ingressa nas fileiras do PCdoB.
Glênio teve contatos com pessoas da Ação Popular (AP), com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), com o PC do B, com os trotskistas e com grupos do Partido Comunista Revolucionário (PCR). Identificou-se mais claramente com o PC do B, que, no Ceará, detinha a hegemonia do Movimento Estudantil, estando à frente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e da grande maioria dos Centros Acadêmicos (CAs) e Diretórios Acadêmicos (DAs).
Através do Centro de Estudantes Secundários do Ceará (CESC), Glênio fez parte das manifestações estudantis da época, sentindo de perto a repressão policial. Ainda em 1968, participou do Congresso da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) em Salvador, Bahia, juntamente com mais três delegados cearenses. Ao chegarem a Aracaju, foram surpreendidos pelo decreto do mal-afamado AI-5. Nesse período, sentiu na pele o que era viver num país sem liberdade.
Por suas atuações no movimento estudantil e pelas suas posições políticas foi preso duas vezes em 1969. Em consequência da primeira prisão, na cidade de Crato/CE, foi indiciado no Inquérito nº 18/69, instaurado pela Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Ceará. O Inquérito foi remetido à Auditoria da 10ª Circunscrição Judiciária Militar, sendo arquivado por solicitação do Procurador Militar, que arguiu inexistência de crime a punir. Foi solto três meses depois.
Glênio Sá continuou militando no movimento secundarista até início de 1970, quando, no auge da Ditadura Militar, deslocou-se para o sul do Pará, onde ajudou na organização e conscientização dos camponeses da região na luta contra grileiros e latifundiários, num movimento que ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia.
Movimento armado de contestação política ao Regime Militar, concebido, planejado, organizado e dirigido pelo Partido Comunista do Brasil, entre os anos de 1966 e 1975, no sul do Pará, a Guerrilha do Araguaia é hoje evocada sempre que se trata de passar a limpo a história do país e iluminar os porões do Regime Militar.
Por sua participação na Guerrilha foi preso em 1972 e libertado apenas em 1975. Neste período, foi barbaramente torturado e transferido, por diversas vezes, de prisão.
Apesar de sua destacada importância nessa luta em defesa da libertação da população daquela região, Glênio não foi julgado por tal participação. As Forças Armadas tinham por objetivo ocultá-la, através da censura e de outros tipos de manejos da ditadura. Morreu sem receber as reparações devidas pelo Estado, que fez da sua vida um período de desassossego. Por causa das torturas sofridas nos cárceres da Ditadura Militar, Glênio adquiriu profundas marcas físicas, resultado do período em que teve de ficar confinado em ambientes impróprios para a permanência de qualquer ser humano.
Ao final das operações no Araguaia, intituladas pelos militares de cerco e aniquilamento, apenas oito, dos 69 comunistas que participaram da guerrilha, sobreviveram: Criméia Alice Schmidt de Almeida, Dagoberto Alves Costa, Danilo Carneiro, Dower Morais, Glênio Fernandes de Sá, José Genoíno Neto, Luzia Reis e Regilena da Silva Carvalho.
Em 1975, ao conquistar a liberdade, Glênio não desiste da luta por uma sociedade mais justa. Ele teve atuação combativa no Comitê norte-rio-grandense pela Anistia. Foi presidente da Sociedade de Defesa de Direitos Humanos. E, como estudante de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), voltou a participar ativamente do Movimento Estudantil, sendo eleito, em 1979, presidente do Diretório Acadêmico do Centro de Ciências Exatas.
Entre os encontros que organizou e participou destaca-se o Congresso de Reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1979, na cidade de Salvador; formação Comitê norte-rio-grandense pela Anistia, em agosto de 1979; foi presidente da Comissão Diretora Regional Provisória do PCdoB/RN; responsável pelas Distribuidoras e Sucursais dos Veículos de divulgação do PCdoB no Rio Grande do Norte; participou ativamente das diversas manifestações promovidas pelas Centrais Sindicais (CUT, CGT e USI), como parte das Greves dos Trabalhadores; bem como de atos públicos, como o “Dia Nacional de Advertência”, em Natal, que tinha como objetivo pressionar os constituintes a aprovar o mandato de quatro anos para Sarney, com eleições ainda em 1988.
Por diversas vezes, foi palestrante nas comemorações ao aniversário da Guerrilha do Araguaia, promovidas pelo PCdoB, que objetivavam levantar um apelo às entidades populares sobre a necessidade de se solidarizarem com os familiares dos mortos e desaparecidos no episódio, de modo a pressionar a Justiça Federal a dar andamento ao processo movido pelas famílias que queriam saber onde estavam enterrados os seus mortos, bem como resgatar o heroísmo e a bravura destes combatentes, que lutaram por um ideal de defesa do povo e liberdade. Em 1984, foi testemunha em uma ação que pedia esclarecimento sobre os desaparecidos na Guerrilha do Araguaia.
Mas a caminhada que começou a ser desenhada nos movimentos estudantis de 1966, e ganhou forma com a Guerrilha do Araguaia só foi concretizada na luta pela reestruturação e legalização do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no seu Estado, o Rio Grande do Norte.
Reconstruindo os documentos do partido a partir da própria memória e, posteriormente, com a ajuda de um radiogravador, que fixava as informações da Rádio Tirana, Glênio reestruturou, dirigiu e elevou a influência e o respeito do PC do B no Rio Grande do Norte, sendo seu principal dirigente até o ano de sua morte, em 1990.
Foi candidato a vereador em 1982, a deputado estadual, em 1986, e em 1990, ao Senado pela Frente Popular do Rio Grande do Norte.
Faleceu em 26 de julho de 1990, vítima de um acidente automobilístico, quando era candidato a Senador. Ao ter sua vida e luta política atravancada aos 40 anos de idade, Glênio Sá deixa um legado de coerência, probidade, abnegação, lealdade, renúncia pessoal e, acima de tudo, incorruptibilidade.
Suas lições de vida ficaram gravadas em lugares onde a luta dos estudantes e trabalhadores faz-se presente. Hoje, Glênio dá nome a um Centro Cultural em Caraúbas, ao auditório da sede do PCdoB no Rio Grande do Norte, a ruas nas cidades de Natal, Mossoró e São Paulo, a grêmios estudantis, a Sindicatos Rurais, ao sítio familiar Dutra, a Assentamentos de Trabalhadores Rurais, entre outras homenagens. Mais recentemente, em março de 2013, recebeu o título de Cidadão Natalense in memorian.
Jana Sá e Gilson Sá
Jornalistas e filhos de Glênio Sá
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