sábado, 1 de maio de 2010

OBITUÁRIO DO PSB

Rogério, Ciro... Quem será o próximo

Rinaldo Barros
Professor da UERN e diretor do ITV 

Com a 1ª. Convenção Nacional da Esquerda Democrática no Rio em 1946, o PSB estrutura-se definitivamente como partido político. Pela primeira vez no país funda-se um partido socialista de âmbito nacional, destacando-se em seu programa sua condição pluriclassista, "o partido não se destina a lutar pelos interesses exclusivos de uma classe , mas pelos de todos que vivem do próprio trabalho, operários do campo e das cidades, empregados em geral, além de estabelecer que deverá procurar o avanço do socialismo no interior das instituições existentes na sociedade capitalista afirmando que seu fim último é a abolição desta sociedade".

Em grande medida, a ainda frágil democracia brasileira é tributária das mobilizações da esquerda nacional que soube lutar pela constituição de direitos e liberdades fundamentais em contextos de autoritarismo e intolerância política. Tributária especialmente de um socialismo democrático brasileiro, articulador de uma consciência democrática, presente em setores importantes da intelectualidade e dos movimentos sociais.

Este socialismo democrático constituiu-se em patrimônio da cultura política brasileira atual e compõe o quadro histórico de lutas pela ampliação do reconhecimento de direitos e de cidadania democrática.

As origens deste Socialismo Democrático estão no livro Semeando Democracia: a trajetória do socialismo democrático no Brasil de Miracy Gustin e Margarida Vieira (Contagem: Editora Palesa, 1994).

Uma das idéias desse livro é a de que o PSB constituiu um "partido-semente", no sentido de se configurar como agitador de uma nova cultura política expressa em projeto de cidadania que, ao contrário dos trabalhistas, comunistas e liberais, combinou a dimensão social e política da Democracia.

Neste sentido, o partido-semente era, antes de tudo, uma construção político-cultural. No passado, buscou o poder, mas carregando nova concepção de mundo, por isto seus efeitos se fazem sentir não apenas no jogo eleitoral, mas nas instâncias culturais da sociedade.

Importavam aí menos as vitórias eleitorais e mais a formação de quadros, menos as idéias estabelecidas e mais os debates provocados. Foi neste contexto que ganhou relevo a defesa de determinados temas fundamentais ao socialismo democrático no programa e prática política do PSB.

As sementes apareceram, por exemplo, na defesa da legalidade e do uso não instrumental da democracia; na valorização da formação política aberta e sem dogmatismos no interior do partido como nos cursos de sociologia ministrados por Antônio Cândido; na defesa da Reforma Agrária e no incentivo a todas as organizações dos trabalhadores do campo como realizado pelo deputado socialista Francisco Julião; na aposta na autonomia sindical com pluralidade de representação de interesses; na defesa da educação pública e laica como direito fundamental expresso, por exemplo, na Campanha de Defesa da Escola Pública em 1960 favorável a Anísio Teixeira, contra o sistema privado e religioso de educação. Ainda mais, poder-se-ia atribuir ao PSB um legado não desprezível de pessoas que viram essa experiência, educaram-se politicamente no partido e, à medida que sobreviveram à ditadura militar, continuaram a participar da vida pública brasileira. Nomes como João Mangabeira, Pelópidas Silveira, Antônio Cândido, os irmãos Abramo - Cláudio, Lélia e Fúlvio, Francisco Julião, Miguel Arraes, Paul Singer, Fábio Wanderley Reis, Antonio Houaiss, Jamil Hadad, entre muitos outros.

Neste sentido, o PSB teria deixado (caso houvesse mantido seu rumo) para a esquerda brasileira uma perspectiva nova recuperada por partidos e coligações na atual democracia e que ficariam como fruto de uma maturação política do socialismo democrático anterior. Tudo isso virou apenas registro histórico.

Aqui mesmo na Terra de Poti, o povo testemunhou, em 2008, o esmagamento oportunista da candidatura do deputado Rogério Marinho à Prefeitura da capital; seguida de um retumbante fracasso eleitoral. De forma ainda mais humilhante e difícil de compreender, agora em 2010, vimos o assassinato da candidatura legítima do deputado Ciro Gomes; um verdadeiro atentado à Democracia.

Em que pese já não ser eu mais filiado ao PSB, é com o coração apertado e com um grande sentimento de tristeza que assisti, nestes últimos anos, ao crescente desrespeito desavergonhado à memória dos visionários pioneiros e, principalmente, aos princípios defendidos ao longo da história. Os atuais dirigentes do PSB agem submissos à quimera do poder autoritário e efêmero, e estão determinados a jogar a dignidade e a biografia dos pioneiros na lata do lixo da História; tornando o PSB um cadáver insepulto.

Muito além de ser apenas um "erro tático", perderam a perspectiva estratégica. No limite, trata-se de um crime de lesa-humanidade que, por sua aberrante natureza, ofende, agravia, injuria à sociedade em seu conjunto. Choremos a morte do PSB.

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