Por Flávio Rezende*
A relação da grande maioria dos seres ocidentais com a morte é meio que uma briga de gato com rato. Poucos querem ser fisgados pelas garras da morte pelo fato de não acreditarem muito na reencarnação.
A falta de crença na continuidade da vida em outros planos torna os seres mais egoístas e mais apegados ao corpo, aos prazeres da matéria e, quanto mais esse apego se desenvolve, mais existe receio do fim de tudo chegar.
Apesar de ser ocidental não acredito que o que chamamos de alma, espírito, mente etc., acabe. Enquanto o corpo físico transforma-se em novos elementos, essa parte imaterial, eterna, muda de endereço e, volta a ocupar novo corpo para nova jornada evolutiva.
Os que pensam como eu, tem uma relação mais tranqüila com a morte e costuma dizer que, chegando à hora, vai se entregar facilmente ao veredicto ou ao acontecimento.
Geralmente todos dizem isso pelo fato da morte estar distante, ser uma coisa mais filosófica, literária e, que, geralmente, acontece mais com os outros.
Quando a morte passa a ser uma realidade, a história muda e, até Chico Xavier, na iminência de um acidente aéreo, tremeu nas bases diante dos demais passageiros.
Nos meus 50 anos de existência já vi avião tremular, tive um grave acidente de carro onde fui até anunciado como morto numa emissora de rádio, carregando até hoje graves seqüelas como um pé menor que o outro, mais fino e dores praticamente diárias deste evento.
A morte também rondou minha vida diante de assaltos a mão armada, queda de moto, mas, em todos os momentos, as coisas são tão rápidas que não dão tempo para a mente processar a informação, o corpo, diante do perigo, trata primeiro de se defender, então quando tudo passa e você percebe que não morreu aquele medão do desencarne já deu tchau.
Pois bem, estou escrevendo tudo isso para narrar que venho passando por momentos de expectativa e, que, diante de um exame rotineiro de saúde, passei a sentir estranhas sensações de um possível fim, inevitável diante de alguns exames feitos.
Os leitores, amigos e todos que me conhecem, sabem que sou positivo e, geralmente, só vejo o lado bom das coisas. Continuo assim, mas, quando recebemos a informação que temos nódulos na próstata e somos encaminhados para uma biópsia que vai enfim esclarecer a natureza do corpo estranho, você começa a pensar em várias coisas, é difícil não incluir pensamentos que também incorporam a possibilidade do nódulo ser maligno e de que no fim a coisa vai lhe derrubar. É humano e coerente pensar em todas as possibilidades.
Diante deste pensar, você começa a perceber as coisas por este ângulo também. Por exemplo, sempre vi a logomarca da Liga Contra o Câncer como jornalista ou pela via de ajudar como pessoa que gosta de colaborar com entidades que precisam do apoio dos outros. Agora, estando numa unidade da Liga para fazer um exame, comecei a ver pelo lado do usuário. Uma sensação diferente ocorreu.
Quando olhamos nossos filhos, ainda pequenos, esposa, familiares, amigos, não conseguimos deixar de pensar que o desencarne, representa o não acompanhamento no plano material, daquelas vidas e, sempre gostamos de saber como nossos filhos e pessoas próximas vão estar mais à frente.
Claro que não fico pensando nisso o tempo todo, sabemos dos avanços da medicina, da precocidade da descoberta, de muitas coisas que apontam no sentido de que vai terminar tudo bem, mas, não devo ser ingênuo de excluir totalmente o lado radicalmente negativo, pois, recentemente perdi duas grandes amigas mais jovens que eu, quando todos pensavam que no fim ia dar certo. Não deu para nenhuma das duas.
“No passado César, o imperador romano ao atravessar o Rio Rubicão e lutar pela manutenção dos seus poderes de pro cônsul, teria dito: “Alea jacta est” ("a sorte está lançada").
Aqui faço o mesmo e, com ajuda dos amigos queridos fico na torcida para que a biópsia revele um nódulo do bem. Caso não seja, que possa ser vencido. Caso não seja, que demore a me vencer. Caso vença, terei, acredito eu, feito ao menos algumas coisas que valeram e, na próxima, volto com o espírito cheio de boa vontade, para por aqui, continuar gostando de amar a todos e de servir a todos.
* É escritor, jornalista e ativista social em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)
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