quarta-feira, 28 de setembro de 2011
A síndrome da cadeira II – a saga continua...
Era uma vez, um homem de bom coração, mas que se deixou levar por sua ambição... Montesquieu alertava que “Um homem não é infeliz porque tem ambições, mas porque elas o devoram”. E esse pobre homem, de bom coração, se deixou devorar pela sua ambição.
De início, não pensou duas vezes em se unir com quem tanto abominava... (É verdade eu sei, que alguns irão defender que, na busca da tão sonhada altura, não há nada demais em se fazer concessões e esquecer os nossos princípios e a nossa consciência - esse juiz implacável que temos dentro de nós). Porém, a união entre criador e criatura durou pouco. E a lei da física explica: “cargas iguais se repelem!”. Afastado do seu criador, mas não do seu projeto de poder, o pobre homem, de bom coração, chegou aonde sempre sonhou: ser chefe de uma das maiores empresas “vendedoras de sonhos” da Groelândia... mas, se não há um mal que não traga um bem, a recíproca pode também ser duplamente verdadeira: não há um bem que não traga um mal... não foi à t oa que Henry Ford, certa vez, sentenciou: “A ambição do homem é tão grande que para satisfazer uma vontade presente, ele não pensa no mal que dentro em breve daí pode resultar”... E o mal estava por vir, e veio: A SÍNDROME DA CADEIRA!
Abro aqui um parêntese, caro leitor, para falar desta síndrome, que para quem não sabe, foi descrita por um brasileiro, em abril de 2004, e se caracteriza por, ao ocupar a cadeira do poder – essa peça do mobiliário, surgida desde a dinastia egípcia-, o indivíduo passa a apresentar sintomas de cegueira, surdez, amnésia e ambição. E por que isso acontece? Em geral, as cadeiras têm quatro pés: os da frente, representam a experiência e a ciência; os de trás, são os da consciência e do bom senso. Mas, a cadeira do poder - por vir com defeito de fábrica-, seus pés não estão bem fixados no chão – e o ocupante, ao viver nas alturas, acha que será eterno no cargo. Fecho aqui o parêntese, e volto a nossa história.
Pois bem, o nosso pobre homem, de bom coração, mudou e mudou muito... Primeiro, esqueceu o seu passado: se antes era capaz de “perder tempo” ouvindo a Nona sinfonia de Beethoven, agora só tinha tempo para o barulho dos números, gráficos, planilhas... adorava uma reunião; se antes até pensou em fazer um curso de filosofia, agora só tinha cabeça para metas de cunho administrativo; se antes adorava ler - ficando até feliz quando ganhou dois livros de uma só vez (Hamlet e O Mercador de Veneza)-, agora abominava esse hábito, a ponto de viver se vangloriando: “Não tenho tempo livre... isto não é minha prioridade!”. É uma pena ele t er tomado esse estreito caminho, pois se continuasse no mundo dos livros, “das coisas inúteis”, “das perdas de tempo”, teria tido a oportunidade de se curar, desta terrível síndrome, antes mesmo dela o acometer, apenas lendo o que escreveu Saint-Exupéry: “Trabalhando só pelos bens materiais construímos nós mesmos nossa prisão. Encerramo-nos lá dentro, solitário, com nossa moeda de cinza que não pode ser trocada por coisa alguma que valha a pena viver”...
Depois, o nosso pobre homem, de bom coração, passou a não ver, nem ouvir ninguém. Sua opinião bastava. Não percebia que a sua estratégia, sem atingir o real foco do problema – parecida com a daquele homem que ao saber que estava sendo traído, resolveu retirar o sofá da sala-, só iria agravar ainda mais as finanças da sua empresa. E foi isso que aconteceu: o faturamento de cada sócio passou a ser reduzido à metade. A empresa, que antes vendia sonhos, passou a “vender pesadelos”, para os seus sócios e clientes. Resultado disso tudo?! Um ano e oito meses depois, havendo nova eleição, o pobre homem, de bom coração, foi destituído do seu cargo. Perdeu o seu prestígio... Teve que abandonar a cadeira do poder... Mas, ficou curado!
A recuperação, a cura, foi tão rápida, que foi perceptível a sua mudança. Se antes estava cego, surdo, ambicioso e esquecendo o passado; agora, estava alegre, sorridente, humilde e extremamente feliz. Tão feliz que, pelo menos uma vez por semana, à tarde, se dava ao luxo de “perder tempo” numa livraria. Ia sozinho, pois os “amigos” da época da cadeira, tinha-o abandonado. Mas, mesmo sozinho ele ia; e era só chegar ao templo sagrado dos livros, para ele correr para as prateleiras e pegar vários deles... Numa tarde, ele se superou. Resolveu pegar três livros de uma só vez.
O primeiro foi “A arte de viver” de Epicteto. Abriu na página 144 e leu: “A melhor reação aos atos condenáveis é ter pena de quem os comete, pois essas pessoas adotaram convicções e princípios doentios e são desprovidos da mais preciosa capacidade humana: a de distinguir o que é realmente bom do que é mau para elas...”. Nosso homem de bom coração (agora ele não era mais pobre, pois tinha a riqueza dos livros em suas mãos) tomou um gole de cappuccino, riu e pegou o outro livro. Desta vez, foi “Sobre a brevidade da vida” de Sêneca. Abriu na página 39 e leu: “A condição de todos os ocupados é miserável... Enfim, queres saber quão pouco vivem os ocupados? Vê como desejam viver longamente. Procuram parecer menos idosos e lisonjeiam-se com mentiras e encontram tanto prazer em enganar a si próprios, que é como se enganassem junto o destino. Mas, quando uma enfermidade qualquer adverte-os de que são mortais, morrem tomados de pavor... ficam gritando que foram tolos em não viver e que se por acaso escaparem da doença, haverão de viver no ócio”.
Por fim, ele pegou o seu autor preferido, Mário Quintana, e leu três belos poemas: “A amizade é um amor que nunca morre;/ O amor só é lindo, quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser;/ A felicidade é um sentimento simples; você pode encontrá-la e deixá-la ir embora, por não perceber a sua simplicidade". Com os olhos marejados de lágrimas, o nosso homem de bom coração, à semelhança do personagem Raskólnikov de “Crime e Castigo”, de Dostoievski, sentiu, naquele momento, a verdadeira felicidade da vida... E enxugando as lágrimas de seu rosto, pagou a conta, foi para casa e viveu em paz com a sua família: seu maior patrimônio.
Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor
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