Caro leitor, não pense que eu sou masoquista. Apesar do título desse artigo e ainda o fato de ter escolhido a saúde e a educação para trabalhar, mesmo assim, me considero um otimista inveterado. Se fico feliz com crises, dores e adversidades é porque considero que somente através delas é que poderemos: crescer, aprender e melhorar como seres humanos.
Zona de conforto, para mim, é igual ao câncer da vida. Aliás, não é só minha esta opinião não. Leonardo Boff tem também a mesma idéia: “As crises fazem pensar; os padecimentos pessoais e coletivos permitem o crescimento”. Demétrio de Falero, o primeiro bibliotecário de Alexandria, também tinha esta receita: “Não há homem mais infeliz do que aquele que nunca passou por adversidades”.
Viver em brancas nuvens, em plácido repouso, faz as pessoas adormecerem. É preciso sentir o frio da desgraça para não ser apenas espectro de homem e passar pela vida e vivê-la. O poeta Francisco Otaviano no seu poema “Desilusões da vida”, nos mostra muito bem isso. Não é à toa, caro leitor, que na China a palavra crise tem dois significados: Perigo e Oportunidade. E é a maneira de como reagiremos a ela, que fará toda a diferença.
Li recentemente no livro “Era uma vez uma empresa”, do escritor Gabriel Garcia de Oro, uma fábula interessante: Um rapaz vivia se lamentando dos seus infortúnios e já estava a ponto de desistir de tudo. Até mesmo de sua vida. Aí surgiu uma velha bruxa (veja caro leitor, nem sempre as bruxas são tão perigosas como parecem...). Ela então chamou o jovem rapaz até a cozinha da sua casa, e lá chegando, encheu três panelas com água e as colocou no fogo. Na primeira panela, jogou cenouras; na segunda, colocou ovos; na terceira, colocou um punhado de café. Após vinte minutos, apagou o fogo e depositou as cenouras e os ovos num prato e o café numa xícara. Então, pediu ao jovem rapaz desiludido, para se aproximar e t ocar nas cenouras e nos ovos. O primeiro estava mole; o segundo estava duro. E o café, ao bebê-lo, disse o rapaz: “está uma delícia!”. Moral da fábula: apesar da adversidade ser a mesma, a água fervente, um ficou mole, o outro endureceu, mas somente um transformou a água em algo extraordinário: o café.
Extraordinária mesmo, caro leitor, é a história desses grandes homens da música clássica: Johann Pachelbel, que após perder a mulher e seu filho contaminados pela peste, fez uma música belíssima que nos emociona até hoje, o seu Cânone; Fréderic Chopin vítima de tuberculose, desde a infância, deixou uma vasta obra musical. E o que dizer do genial e magnífico Ludwig van Beethoven, que após a perda da mãe, passou a conviver com um pai alcoólatra e aos vinte anos ficou praticamente surdo, a ponto de um dia ter pensado em colocar fim na sua vida, como disse no seu “Testamento de Heiligenstadt”. A sua Nona sinfonia (Ode à alegria), uma das mais belas músicas da huma nidade, termina com um apelo: “Oh, Amigos! Mudemos o tom; entoemos algo mais prazeroso e alegre!”.
Sim, caro leitor! Precisamos mudar o tom das crises, das dores e das adversidades. Precisamos ter consciência que ostra feliz não produz pérola. E que tem razão, portanto, Sartre ao afirmar: “não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim”.
Vivemos em um país, onde reina a desonestidade aliada a incompetência dos nossos “pseudo-líderes”. Vivemos momentos de crises, dores e adversidades onde cada vez mais pagamos impostos, anuidades, etc. etc. e vemos este dinheiro todo ser escorrido pelos ralos da corrupção. E o que é pior, onde mais deveria ter honestidade, caráter ilibado, atitudes corretas e princípios éticos são onde menos se tem... Mas se isso acontece, grande parte - ou senão toda- é culpa da nossa inércia, do nosso plácido repouso, do deitado eternamente em berço esplêndido...
É preciso acordar! É preciso se unir! É preciso mudar o tom disso tudo. O perigo que estas pessoas desonestas e incompetentes têm representado ao longo de todos esses anos, tem que virar oportunidade de mudança. E é tão fácil essa mudança. Basta somente um pequeno momento de reflexão, antes de votar, e acompanhar e cobrar, com afinco, que o que foi prometido seja cumprido. É incrível como a população não percebe a sua força. É o nosso conformismo que encoraja esses desonestos.
Certa vez, um velho mestre, na companhia de seu discípulo, resolveu visitar uma família extremamente pobre - pai, mãe, quatro filhos e dois avôs - que contava com um único bem: uma vaca muito magra cujo leite mal dava para alimentar a todos. Após, passar a noite com esta família pobre, mas hospitaleira, o velho mestre acordou o seu discípulo, ainda de madrugada, e disse: “hora da lição!”. Saíram os dois da casa, sem fazer barulho, e o velho mestre, sob o olhar atônito do discípulo, degolou a vaca. O aluno inconformado cobrou do mestre: “que diabo de lição é essa?!”. O velho mestre apenas disse: “vamos para casa!”. Após um ano, voltaram a visitar a família e o que viram no lugar do velho casebre, foi um a casa grande e luxuosa. O pai, bem vestido, lhes contou que, após a morte da vaca, eles tiveram que mudar o estilo de vida: “a vaca era o nosso sustento; após a sua morte e em dificuldade, tivemos que limpar o quintal, conseguir algumas sementes e plantar. Com o dinheiro das hortaliças vendidas compramos mais sementes...”. Enfim, a vaca não era o único bem da família, mas sim, a prisão para uma vida de conformismo e mediocridade.
Crises, dores, adversidades?! Oba! Um dia vamos acordar...
Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor
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