domingo, 17 de novembro de 2013

Deus@acordamundo.com

Francisco Edilson leite Pinto Junior
Professor, médico e escritor
edilsonpinto@uol.com.br

Tem doença que é melhor a gente nunca se tratar: e o amor é uma delas (Ferida que dói e não se sente; descontentamento descontente; dor que desatina sem doer)... Outra doença que agora eu nunca mais vou querer me tratar é a obsessão por horário. Eu não consigo chegar atrasado a um compromisso! Mesmo sabendo que as pessoas só chegarão duas horas depois do horário marcado, eu não consigo, eu não consigo... E foi essa minha obsessão por pontualidade que me levou a escrever este artigo.

Tudo começou quando fui convidado para fazer uma palestra de abertura em um evento científico. Cheguei, antes do horário - e como tive que esperar bastante para iniciar a palestra: “Dá pra ser feliz no trabalho?”-, apareceu à oportunidade de conhecer o professor João Bosco Filho, doutor e enfermeiro. Conversamos sobre vários assuntos até que João me falou da sua tese: “As lições do vivo”. Foi aí que conheci uma pessoa incrível, Chico Lucas: homem do campo, que vive na comunidade de Areia Branca Piató. Um verdadeiro DOUTOR da vida!

E Chico disse a João, e este disse a mim: “Deus manda e-mails todos os dias para nós, mas o danado é que a nossa cegueira não consegue enxergar e ler essas mensagens!”... Caramba! Fui dar a palestra, mas aquilo não saía da minha cabeça: Deus, e-mails, cegueira... ora, é claro que Chico Lucas tem razão! Afinal, Deus nos fez cego (lembram-se de Saramago: “Se podes olhar, vê; se podes ver, repara”?) e aí com “remorso”, querendo corrigir o nosso defeito de fábrica, se utiliza agora destas mensagens para nos fazer acordar, enxergar e reparar os desmantelos do mundo...

Cheguei em casa e fui pegar o livro o “Absurdo e a graça” do filósofo Frances, Jean-Yves Leloup, Pois eu desconfiava que ali, encontraria um e-mail de Deus:

“Nessa noite, com obstinação e desespero, pensei ter procurado minha mochila em todas as latas de lixo da cidade, cerca de cinco horas da manhã, encontrei-me esgotado, em um bar de pescadores, perto da Criée, cais de Rive-Neuve. Desabei em um canto, a cabeça entre os braços, a soluçar como criança. Quando me acalmei, um garçom veio trazer-me um chocolate quente e dois croissants. Disse-lhe que não tinha pedido nada e que não tinha dinheiro. Ele respondeu-me que a senhora tinha pago. ‘Quem?’, perguntei. ‘ah! ela já saiu’... Um chocolate quente e dois croissants: creio que ali fiz minha primeira comunhão. Minhas lágrimas não eram mais as mesmas, eu sentia fundir em mim algo de infinitamente duro, e pela primeira vez, senti o que queria dizer ‘ter um coração’... não gosto nem de chocolate quente nem de croissants, mas não eram mais eles, era a presença real de um ser que é AMOR... Saberá um dia, essa desconhecida, que naquela manhã ela fez sair um condenado de seu inferno?... Sem muito compreender, havia recebido a comunhão e de vagabundo tornei-me um peregrino”...

Pois é caro leitor: Deus manda e-mails sim! E não pense que é só para o exterior não! Até porque como lembra Tolstoi em seu livro: “O reino de Deus está em vós”. Pois, Deus está dentro de cada um de nós... Veja então, um e-mail que Ele mandou para um conterrâneo nosso, o escritor Thiago Gonzaga:

“Sou filho de pais analfabetos. Meu pai morreu quando eu tinha seis anos de idade, minha mãe, empregada doméstica, ficou tomando conta da casa e dos três filhos pequenos. Nunca fomos incentivados a estudar, por pura falta de informação da nossa mãe, que achava, que, o nosso destino era aquele mesmo, de vida pobre e sem ‘visão’, nenhuma de futuro. Fato tão evidente, que, atualmente eu sou único graduado da família. Com a morte do meu pai, eu tive que começar a trabalhar muito novo, e consequentemente largar meus estudos, que pararam no início da terceira serie; deixei de estudar, quando começava a aprender a ler e escrever. Passei quase vinte anos da minha vida, como semianalfabet o, vivendo de ‘bicos’ e subempregos, em oficinas, construções e supermercados. Certo dia, já adulto por volta de 2002, eu procurava emprego nas ruas da cidade, e achei um jornal velho, que me chamou atenção por causa de uma foto, com uma mulher que achei bonita; era Clotilde Tavares. Levei o jornal pra casa, pois queria muito saber o que aquela mulher, com quem eu tinha simpatizado, escrevia. Eu não consegui ler de imediato o texto, passaram-se quase dez dias para compreender um pouco do que ela dizia. Na crônica, ela citava vários nomes e livros de autores potiguares que ela tinha lido e gostado, como Câmara Cascudo, Marize Castro e Luís Carlos Guimarães. Fiquei muito curioso para saber o que esse pessoal escrevia. Na mesma ocasião, minha mãe fazia faxina em um apartamento, e a patroa dela deu alguns livros para ela levar para casa, como incentivo para os filhos lerem; dentre esses livros, vieram alguns potiguares. A lit eratura potiguar abriu minha mente para outras coisas, e comecei a ler de tudo que chegava ás minhas mãos, literatura, filosofia, direito, os clássicos. Depois de ter formado uma pequena biblioteca, decidi que era tempo de voltar a estudar e recuperar o tempo perdido. Em 2004 fiz supletivo de 1º grau. Em 2005 comecei o supletivo de 2º grau (eu estava com 25 anos). Nessa época, a Prefeitura de Natal abriu concurso para Gari, e me inscrevi, como não tinha ainda emprego fixo, nem profissão, pois queria garantir uma estabilidade financeira pra poder comprar meus livros. Comparado a tudo que eu já tinha passado: ser gari era ‘lucro’ pra mim. Continuei comprando e lendo muitos livros, cheguei a ler 135 livros em um ano nesse período. Em 2007, fiz o Enem e ganhei uma bolsa do PROUNI para fazer Letras na UNP; entrei no inicio de 2008. Dediquei-me de corpo e alma ao curso. Quando paguei a disciplina de literatura do RN, a professora Conceição Flores percebeu que eu tinha muita afinidade com a literatura local e me incentivou muito a continuar lendo e estudando, (detalhe: ela não sabia da minha historia e eu não contei pra ela, nem pra ninguém da UNP) os professores só ficaram sabendo no final do curso quando saiu uma matéria comigo no jornal, com o titulo: “O GARI QUE VÊ COMO MISSÃO DIVULGAR A LITERATURA POTIGUAR”.

Bem caro leitor, realmente os e-mails estão aí, por toda parte: chocolate quente, croissants, pedaços de jornais velhos, etc. etc. enfim, só resta tentar agora enxergar cada uma dessas mensagens!

Acorda mundo! Acorda mundo!                                                                

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