terça-feira, 28 de setembro de 2010

O BEM-TE-VI E OUTROS PASSARINHOS

Walter Medeiros

No silêncio da manhã um passarinho canta pousado num galho alto de uma grande árvore com a qual cruzo frequentemente. Parece um pássaro que eu ouvia há mais de quarenta anos, nas minhas manhãs de infância serrana. Não o vejo nem me detenho para procurá-lo e fico esperando o som da cigarra, que não vem, pois as minhas cigarras ficaram naquelas árvores frondosas do sertão de Alagoas. Nem me passa pelo pensamento nenhuma vontade de aprisioná-lo ou atingi-lo.

Naquele tempo eu tinha uma baladeira e cheguei certa vez orgulhoso da minha pontaria, por ter acertado um passarinho num galho distante, como se aquele tiro não fosse idêntico ao controle de um acerto de uma chimbra (é assim que se chama biloca naquele lugar onde morei). E lembro do meu irmão, Wellington, esboçando sério remorso por ter acertado um passado que não morreu, mas ficou sem condições de voar imediatamente. Vez por outra, no almoço do domingo, meu sogro lembra do seu tempo de caçador, quando pastorava os pássaros à beira de uma lagoa. Eram dezenas e ele se aproximava com a espingarda de soca. Fazia um barulho para espantá-los e quando levantavam vôo eram atingidos em grande quantidade, caindo para alimentar a diversão de jovens e adultos, quando o IBAMA e o IDEMA ainda nem existiam.

Quando conversava com meu pai, além das histórias que me contava como ex-combatente da Segunda Guerra, ele gostava de lembrar dos seus tempos de Jucurutu, onde nasceu, e na sua escola primária ganhou um prêmio por ter recitado de forma brilhante o conhecido poema ”Pássaro Cativo” , de Olavo Bilac: “... Por que me prendes? Solta-me covarde! Deus me deu por gaiola a imensidade: Não me roubes a minha liberdade ... Quero voar! voar! ...”

Vem também a lembrança daquela história engraçada sobre o mentiroso que apareceu correndo na bodega que freqüentava e perguntaram o que estava procurando: “-estou atrás do meu canário, que fugiu com gaiola e tudo.”. Meus cunhados gostam muito de pássaros e conhecem muitos deles. Mas eu só consigo distinguir as lavadeiras, as pombinhas e os pardais que pousam no meu quintal diariamente. Bem como alguns outros pássaros, como os canários, anuns e outros que simbolizam partidos políticos. E as corujas, paixão de nossa amiga manauara Conceição.

Para se ter uma idéia de como os passarinhos estão em todos os nossos momentos, quando Waltinho estudava no jardim de infância seu irmão Bruno ia buscá-lo e uma “Tia” (professora auxiliar) se apaixonou por ele. Mandou um bilhete pelo menino, para Bruno, com uma quadrinha: “Eu queria ser um passarinho / Um passarinho eu queria ser / Prá pousar em tua janela / Quando o dia amanhecer”. Tomando conhecimento do fato, uma pessoa brincalhona (não fui eu, foi Mônica) resolveu fazer uma resposta e enviar pelo mesmo portador: “Queria ser um caçador / Um caçador queria ser / Prá matar o passarinho / Quando ele aparecer”.

Minha cunhada, Fátima, entretanto, vai me perdoar, mas tenho de lembrar que não tem maiores conhecimentos na área, literalmente. Na área da minha casa, certo domingo, ouvíamos um som que vinha da frondosa árvore que meu vizinho de frente, Murilo(Uai) trouxe de Caicó há mais de vinte anos: “Híiin! Híin! Híin!”. Ela indagou a seu Sebastião, meu sogro, que pássaro seria aquele. Do alto dos seus noventa anos (ele vai completar 94 dia 10 de outubro de 2010), ele disse: “é um Bem-te-vi”. Ela rebateu: - “não, papai, lá em casa tem desses pássaros e não é Bem-te-vi”. Pacientemente ele reafirmou: “é, Fátima, um Bem-te-vi”. Quanto ela se preparava para argumentar mais, o pássaro tirou a dúvida, com seu canto forte e tão belo: “BEM-TE-VI!!!”.

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