terça-feira, 28 de setembro de 2010

O perigo da “salvadora da pátria”

Walner Barros Spencer
Escritor

Tenho escutado dizer de algumas pessoas que irão votar em Marina. Estes interlocutores são, para minha estupefação, possuidores de um bom nível social - embora não necessariamente cultural. Argumentam que ela "tem tudo para ser a 'salvadora da pátria'". Fico a pensar sobre o que os leva a pensar assim.
Primeiro, todos eles foram eleitores de Lula nas duas eleições anteriores - ou na segunda delas. Viram nele o mesmo "salvador da pátria", e tomaram uma ducha fria, pois ele foi péssimo na maior parte dos quesitos avaliativos. Em alguns deles, como na corrupção desenfreada e na defesa dos companheiros que a realizaram, 'péssimo' é elogio, pois as ações foram criminosas. A culpa cabe em quem votou nele, mesmo que seja indiretamente, por cumplicidade culposa, e, o receptador ocasional, desavisado, desatento e relapso no conhecimento das leis, usado, enfim, em sua boa-fé. Seu problema existencial: mesmo que indiretamente tenha culpa, não quer nem aceita ser conivente com o ocorrido, pois é natural e visceralmente contra esse tipo de atitude. Pretende ser um cidadão, mas não sabe o que é ser um Cidadão. Pensa que um cidadão segue a maioria, mas está enganado: um Cidadão pensa e analisa por si mesmo. Confunde democracia com voto, junção física de pessoas com maioria. A primeira representa um sistema de pesos e contrapesos, de possibilidades de fazer e de freios de não-fazer, de poderes que se cruzam e se observam entre eles, que legislam alguns, que fiscalizam outros, que realiza um terceiro. Isto nada tem a ver com o ato físico de votar, mas com o sistema que garanta a representação dos cidadãos. A 'maioria' é justamente essa representação, mas não tem nela nenhum demérito à minoria, pois os direitos cidadãos são e permanecem, os mesmos. Este conceito, é claro, torna-se problemático em um país de extensão continental como o Brasil. E é usado para bem dos políticos enganadores.
Segundo, sempre é difícil a pessoa fazer um 'mea culpa', reconhecer que errou, mesmo numa sociedade cristã como a nossa. O mais fácil é usar de subterfúgios e tentar escapar pela tangente, arranhado, mas razoavelmente ileso. No caso em pauta, eleições, o fato de votar no lado totalmente contrário à ilusão anterior - Lula - seria uma confissão de ingenuidade política, ficando claro e inegável o enorme erro que cometeu no último pleito entre as mesmas forças. Mas pode haver uma saída - saudável, bonita, esplendorosa - achar outra candidata "que salve a pátria". Assim, estariam desculpados, pois na vez passada teria havido tão somente um "erro de pessoa", e não um "erro de ideais e de inteligência". Tudo restaria consertado com um voto na 'candidata à salvadora'. Não se dão conta de que estão fazendo o mesmo raciocínio que os levou ao erro inicial. Terá certamente o mesmo resultado, mas num momento bem mais perigoso, desde que as instituições democráticas estão fragilizadas.
Terceiro, querem estar ao lado do 'povo', e aí é que a análise perde a cientificidade, pois é necessário que alguém conceitue o que é Povo. Ou esta palavra carece de sentido ou ela é o mesmo que dizer cidadãos. Pelo dicionário, para ser bem simples: "Povo é um conjunto de indivíduos que falam a mesma língua, têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de interesses, uma história e tradições comuns". Geralmente está englobado e abrangido pelo termo Nação. Ou é assim, ou 'povo' será quem é miserável, doente, pobre, desconsiderado, tristonho, desfavorecido de tudo. Mas não é assim e todos sabem. Na realidade, são os políticos, em sua grande maioria, que assim definem povo e assim quer que as pessoas se comportem, isto é, faz questão de tirar-lhes a dignidade e a honra de ser um Cidadão. Para esses políticos, a pobreza de uma pessoa é garantia de voto. Poucos políticos consideram a pobreza material é um mal, um defeito da civilização, algo a ser realmente combatido. Sabem que, em caso contrário, perderão os votos da miséria. Não é à toa que eles preferem manter os miseráveis à meia-boca para poder comandá-los com os bridões do poder. Quem usa, portanto, a pobreza como virtude - e não conjuntura social - buscando transmitir a falsa idéia de que a pobreza e dignidade são sinônimos está sendo mentiroso, pois não são. Criação familiar e dignidade; bons pais e dignidade, religião e dignidade, isto sim é real. O resto é criação dos maus políticos, que pretendem convencer aos outros pela 'atração simpática' de meios físicos e de conjunturas desfavoráveis. Esses, tornam-se cada dia mais poderosos, mais ricos e enfatuados e adoram dizer que continuam pobres, que amam a pobreza. O interessante é que se afastam dela, fogem dela, e jamais querem voltar a ela. São pessoas falsas, interesseiras e mentirosas. Serão pobres - mental e moralmente pobres - para sempre.
Assim, muitos dos eleitores pretendem votar em Marina por razões similares às acima descritas. No meu entender, enganam-se novamente. Deveriam, até por uma questão de dignidade e de amor pela terra que é nossa, dar crédito agora para o lado ao qual desacreditaram na vez passada.
O Brasil corre o risco de ser destruído por mais "uma salvadora da pátria". Portanto, olhem para os lados e vejam o desastre dessas teorias sem lógica, inconsistentes. Teorias que, na prática, não gostam dos pobres, mas odeiam os ricos.
Eu, de minha parte, fui criado em uma família onde havia ricos e pobres (materialmente falando) e não aparecia diferença hierárquica entre eles, nem os comportamentos mudavam de uns para com os outros. Aprendi muito cedo a ver e entender a vida com suas diferenças, e não estava na melhor delas do ponto de vista econômico. Creio até hoje, num dito que meu avô dizia sobre ser digno e honrado, e que era de Sêneca, um filósofo estóico romano:
"É virtuoso o homem que come num prato de barro como se fosse de ouro; tão virtuoso quanto é o homem que come num prato de ouro como se fosse de barro".

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