Walner Barros Spencer
Escritor
Tenho escutado dizer de algumas pessoas que irão votar em Marina. Estes interlocutores são, para minha estupefação, possuidores de um bom nível social - embora não necessariamente cultural. Argumentam que ela "tem tudo para ser a 'salvadora da pátria'". Fico a pensar sobre o que os leva a pensar assim.
Primeiro, todos eles foram eleitores de Lula nas duas eleições anteriores - ou na segunda delas. Viram nele o mesmo "salvador da pátria", e tomaram uma ducha fria, pois ele foi péssimo na maior parte dos quesitos avaliativos. Em alguns deles, como na corrupção desenfreada e na defesa dos companheiros que a realizaram, 'péssimo' é elogio, pois as ações foram criminosas. A culpa cabe em quem votou nele, mesmo que seja indiretamente, por cumplicidade culposa, e, o receptador ocasional, desavisado, desatento e relapso no conhecimento das leis, usado, enfim, em sua boa-fé. Seu problema existencial: mesmo que indiretamente tenha culpa, não quer nem aceita ser conivente com o ocorrido, pois é natural e visceralmente contra esse tipo de atitude. Pretende ser um cidadão, mas não sabe o que é ser um Cidadão. Pensa que um cidadão segue a maioria, mas está enganado: um Cidadão pensa e analisa por si mesmo. Confunde democracia com voto, junção física de pessoas com maioria. A primeira representa um sistema de pesos e contrapesos, de possibilidades de fazer e de freios de não-fazer, de poderes que se cruzam e se observam entre eles, que legislam alguns, que fiscalizam outros, que realiza um terceiro. Isto nada tem a ver com o ato físico de votar, mas com o sistema que garanta a representação dos cidadãos. A 'maioria' é justamente essa representação, mas não tem nela nenhum demérito à minoria, pois os direitos cidadãos são e permanecem, os mesmos. Este conceito, é claro, torna-se problemático em um país de extensão continental como o Brasil. E é usado para bem dos políticos enganadores.
Segundo, sempre é difícil a pessoa fazer um 'mea culpa', reconhecer que errou, mesmo numa sociedade cristã como a nossa. O mais fácil é usar de subterfúgios e tentar escapar pela tangente, arranhado, mas razoavelmente ileso. No caso em pauta, eleições, o fato de votar no lado totalmente contrário à ilusão anterior - Lula - seria uma confissão de ingenuidade política, ficando claro e inegável o enorme erro que cometeu no último pleito entre as mesmas forças. Mas pode haver uma saída - saudável, bonita, esplendorosa - achar outra candidata "que salve a pátria". Assim, estariam desculpados, pois na vez passada teria havido tão somente um "erro de pessoa", e não um "erro de ideais e de inteligência". Tudo restaria consertado com um voto na 'candidata à salvadora'. Não se dão conta de que estão fazendo o mesmo raciocínio que os levou ao erro inicial. Terá certamente o mesmo resultado, mas num momento bem mais perigoso, desde que as instituições democráticas estão fragilizadas.
Terceiro, querem estar ao lado do 'povo', e aí é que a análise perde a cientificidade, pois é necessário que alguém conceitue o que é Povo. Ou esta palavra carece de sentido ou ela é o mesmo que dizer cidadãos. Pelo dicionário, para ser bem simples: "Povo é um conjunto de indivíduos que falam a mesma língua, têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de interesses, uma história e tradições comuns". Geralmente está englobado e abrangido pelo termo Nação. Ou é assim, ou 'povo' será quem é miserável, doente, pobre, desconsiderado, tristonho, desfavorecido de tudo. Mas não é assim e todos sabem. Na realidade, são os políticos, em sua grande maioria, que assim definem povo e assim quer que as pessoas se comportem, isto é, faz questão de tirar-lhes a dignidade e a honra de ser um Cidadão. Para esses políticos, a pobreza de uma pessoa é garantia de voto. Poucos políticos consideram a pobreza material é um mal, um defeito da civilização, algo a ser realmente combatido. Sabem que, em caso contrário, perderão os votos da miséria. Não é à toa que eles preferem manter os miseráveis à meia-boca para poder comandá-los com os bridões do poder. Quem usa, portanto, a pobreza como virtude - e não conjuntura social - buscando transmitir a falsa idéia de que a pobreza e dignidade são sinônimos está sendo mentiroso, pois não são. Criação familiar e dignidade; bons pais e dignidade, religião e dignidade, isto sim é real. O resto é criação dos maus políticos, que pretendem convencer aos outros pela 'atração simpática' de meios físicos e de conjunturas desfavoráveis. Esses, tornam-se cada dia mais poderosos, mais ricos e enfatuados e adoram dizer que continuam pobres, que amam a pobreza. O interessante é que se afastam dela, fogem dela, e jamais querem voltar a ela. São pessoas falsas, interesseiras e mentirosas. Serão pobres - mental e moralmente pobres - para sempre.
Assim, muitos dos eleitores pretendem votar em Marina por razões similares às acima descritas. No meu entender, enganam-se novamente. Deveriam, até por uma questão de dignidade e de amor pela terra que é nossa, dar crédito agora para o lado ao qual desacreditaram na vez passada.
O Brasil corre o risco de ser destruído por mais "uma salvadora da pátria". Portanto, olhem para os lados e vejam o desastre dessas teorias sem lógica, inconsistentes. Teorias que, na prática, não gostam dos pobres, mas odeiam os ricos.
Eu, de minha parte, fui criado em uma família onde havia ricos e pobres (materialmente falando) e não aparecia diferença hierárquica entre eles, nem os comportamentos mudavam de uns para com os outros. Aprendi muito cedo a ver e entender a vida com suas diferenças, e não estava na melhor delas do ponto de vista econômico. Creio até hoje, num dito que meu avô dizia sobre ser digno e honrado, e que era de Sêneca, um filósofo estóico romano:
"É virtuoso o homem que come num prato de barro como se fosse de ouro; tão virtuoso quanto é o homem que come num prato de ouro como se fosse de barro".
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