quarta-feira, 18 de julho de 2012

Amores brutos

Paulo Correia
Jornalista
paulo.correia@r7.com


Eles se conheceram em uma das inúmeras paradas de ônibus de Natal. Ela, com 15 anos, vendia bombons e chicletes e era ajudada por sua irmã menor, de nove anos. Ele, com 17 anos, também vendia chicletes e balas de gengibre. O local das vendas e os clientes eram os mesmos: o interior dos coletivos e os cansados passageiros que se espremiam dentro dos veículos.
Ela e a irmã eram natalenses e moradoras do bairro do Bom Pastor. Ele era paulista, com pouco tempo em Natal e morador de um cortiço no centro da cidade. Ela se chamava Jéssica. Ele se chamava Alex. Ambos eram bonitos, com corpos bronzeados pelo sol de Natal e espertos como todos os jovens criados nas ruas. Possuíam uma sensualidade que saia pelos poros do corpo e atingiam até o mais distraído transeunte que cruzasse o seu caminho. 
Ela tinha pernas bem torneadas, bunda arrebitada e seios de tamanho correto. Nada de exageros ou medidas formuladas em academias ou por remédios importados. A sua genética e o trabalho diário formataram a bela adolescente. Ele também possuía uma boa aparência. Com dentes limpos, cabelo bem cortado e um corpo magro. Os olhos dos dois tinham as mesmas expressões: uma firmeza e ao mesmo tempo uma ternura. Uma ingenuidade e ao mesmo tempo uma malícia.
Os dois faziam parte do exército de meninos que todos os dias acordavam cedo e logo se aboletavam nos ônibus da cidade. Com as suas inseparáveis caixas de doces e o repertório batido e apresentado diariamente para uma platéia pouco receptiva e sem muita paciência. Um interminável sobe e desce. Dependentes da boa vontade de motoristas e cobradores.
Entre uma viagem e outra eles se conheceram melhor. Conversaram por mais tempo e descobriram afinidades. Descobriram a tensão sexual perto um do outro. Despertaram o monstro adormecido. Com toda a sua loucura e prazer. 
No mesmo dia, um sábado, resolveram tomar umas cervejas em alguma birosca e conversar mais sobre essas afinidades. Largaram as suas caixinhas de balas e confeitos nas mãos de colegas, que estranharam a saída de ambos, conhecidos por serem trabalhadores e por ficaram até mais tarde nos ônibus da cidade. O desejo não bate ponto e nem espera anoitecer. O desejo é imediatista. É veloz.
Foram para um boteco no Alecrim e pediram uma cerveja e churrasquinhos de carne, para ele, e queijo, para ela. Com a Presidente Bandeira e os seus carros como testemunhas, se beijaram pela primeira vez. Se abraçaram pela primeira vez. E com o pouco dinheiro recolhido durante o dia, fizeram a primeira loucura juntos: Ao invés de levar para casa e comprar o pão e leite, investiram a grana em uma espelunca próxima que exibia na fachada o nome Motel Love. Se não fosse a proximidade com o bar, eles teriam transado nos becos escuros ou entre os carros estacionados. O desejo não respeita à hora do jantar ou a rua movimentada.
Depois dessa tarde/noite, eles ficaram inseparáveis. Mesmo entrando em linhas de ônibus diferentes para venderem os seus produtos, a ligação de ambos era notória. Os beijos molhados, os amassos, a malícia no olhar e o carinho eram o que se destacava naqueles dois garotos sem roupas de marca, sem calçados confortáveis e sem a falsidade de muitos. O amor era rasgado. Gritado. Louco.
Com o tempo, os olhares de maldade de alguns colegas injetaram o líquido sujo do ciúme em ambos. Alex passou a desconfiar do riso gostoso de Jéssica, e a jovem passou a suspeitar de escapadas do garoto com outras mulheres. Ambos, tocados pelas garras do monstro. Tocados pela sua insegurança e individualismo.
Tempos de cólera nas calçadas de Natal. Gritos e insultos para todo mundo ouvir. Que se fodam! Tempos de choro e músicas românticas repetidas no pequeno toca CD na casa do Bom Pastor. Tempos de cachaça queimando o juízo em um cortiço do Centro.
Os venenosos que plantaram o ciúme no coração dos jovens foram os mesmos que informaram a Jéssica sobre a partida de Alex. Voltou para São Paulo para cuidar da mãe doente e tentar algo melhor. Quem sabe, como embalador de um supermercado qualquer e com carteira assinada.
A tristeza pela perda do sexo gostoso. Pelo carinho. Pelo amor perdido. 
A realidade que deve ser encarada. Que não espera a cicatrização da dor. Que cobra agilidade, ação e alegria (mesmo que ela seja irreal). A vida dentro dos ônibus da cidade deve continuar. O repertório deve voltar a ser anunciado aos quatro ventos. 
A vida, com todos os seus atropelos, deve seguir. Deve passar. 
Apesar da dor.

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