sábado, 19 de julho de 2014

O sileque

José Alexandre Garcia
Jornalista e escritor

Enéas Reis há de entrar um dia na história dos costumes da cidade por ter abolido paletó e gravata como trajes obrigatórios para se frequentar casa de diversão no burgo, permitindo-se o sileque, até então desconhecido ou inaceitável.

E a adoção se fez de modo imprevisto, em plena Grande Guerra, idos de 42/43. Quando Natal era Trampolim da Vitória e pela Base de Parnamirim aterrissavam, abasteciam-se e decolavam rumo à África centenas de aeronaves, transportando tropas, levando munições e víveres para abastecer os exércitos aliados.

Os my friends, então, pululavam na cidade. Encontradiços nos bares da Dr. Barata. No U.S.O., nas pensões alegres, nos bailes do Aero Clube.

Pois, numa tarde, quando faltavam poucos minutos para o início da vesperal, um transporte militar estaciona na calçada do "Rex" e dele desembarcam uns sessenta a setenta gringos, todos esportivamente trajados com o tal de sileque, para assistir Jeanette Macdonald e Nelson Eddy na opereta "Oh, Marieta!", passando pela 13ª vez em Natal, sempre garantindo casas cheias.

E a confusão se formou. Entra, não entra. É proibido, é um atentado à moral pública, pouca vergonha permitir-se galegos semi-nus assistirem cinema ao lado de nossas esposas e filhas - verberavam os puritanos.

Chamaram Enéas, gerente do cinema, para dirimir a questão. Enéas ouviu um lado e outro. E enxergou o futuro. Entendeu, antes que ninguém, que a guerra traria profundas modificações na vida e nos costumes.

E dono e senhor da situação, decretou o fim do traje formal.

- A partir de hoje, está abolida a obrigatoriedade do uso de paletó e gravata para se assistir cinema em Natal.

Foi a vitória do sileque, corruptela de slack, a camisa de manga curta, fechada a frente por botões e bolso ou bolsos nos peitorais, que ficou como indumentária do dia-a-dia masculino mais leve até hoje em Natal.

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