Reinaldo Azevedo
Músico e odontólogo
Certa manhã, quando, no curso básico da área biomédica, eu assistia a uma aula na disciplina de Anatomia, no anatômico (laboratório de anatomia humana) da antiga Faculdade de Medicina; eu que já era um conhecido desenhista profissional, trabalhava como “free-lancer” para algumas gráficas de Natal e também nos Diários associados, talvez por isso, um professor assistente instou-me com a devida insistência, para que eu caricaturasse a figura de um dos professores titulares daquela disciplina. Este docente se por um lado era um cara narcisista, muito vaidoso, também era portador de uma acentuada calvície, pouco disfarçada por alguns escassos fios de cabelos tomados emprestados de outros pontos da cabeça. Penugens grisalhas pobremente dissimuladas, criteriosamente tingidas de preto.
Deu-se que, quase ao término da bendita – ou maldita – aula, o encomendado papelucho com a fatal caricatura, foi parar nas mãos do aludido professor, vítima-alvo do meu escrachado desenho, prenhe de deboche, rabiscado no transcorrer da exposição daquele esquentado lecionador.
Desapontado com tal fato, lívido de raiva, dirigiu-se a mim e ruidosamente esbravejou:
- Já que você, Reinaldo, fez a minha caricatura nessa aula, até o final do curso eu farei a sua caveira!
Que coisa mais tétrica? Uiiiii!!!!!!
A partir daquele fato fui marcado sob pressão constante durante aquelas temíveis Gincanas de Anatomia, e o resultado daquela fúria de “vindita”, não foi outra senão, a minha reprovação por falta de alguns poucos décimos. Creio que ele julgou-se satisfeito, pois na repetência, no ano seguinte, fui aprovado com excelentes notas.
Quando finalmente ingressei no Curso Profissionalizante em Odontologia, a primeira aula que assisti foi na disciplina de Escultura Dentária, ainda no campo da anatomia – anatomia dental, como também era chamada - cujo titular era o grande, o famosíssimo e irreverente Professor Joaquim Guilherme. Um deus na sua Cátedra! Na verdade, ele já havia tomado conhecimento da inusitada e injusta pena a mim imposta pelo Lente cáustico e esquentado, que de maus bofes, era lento e pobre no humor. Pois bem, nesta primeira aula do curso profissionalizante, em alto e agudo som, apontando o dedo indicador para mim, o experiente homem de cátedra, professou humildemente a sua casta vocação de bem ensinar, ao vaticinar com ênfase diante todos os alunos presentes:
- Seu sacana, já que você foi reprovado por ter feito uma caricatura de um professor de merda, ouça agora: se não fizer a minha, aí é que comigo você se fode!!!
A turma toda foi ao delírio com gritos e aplausos, e as lágrimas, inevitavelmente, transbordaram honestas em meu rosto. Aquele gesto, aquelas palavras vieram no momento oportuno através da sapiência e da humildade de um verdadeiro Mestre. Mestre com “M” maiúsculo, que soube, de fato, levantar a auto-estima e valorizar o talento incipiente de um aluno, incompreendido no gracejo da sua arte, ao abraçar com brandura a rebeldia própria dos calouros.
Alguns anos depois, aquele mesmo Homem viria a ser o meu Padrinho de Formatura. E, de certa forma, jamais viria a imaginar que uma cópia daquele desenho, carinhosamente elaborado nos idos de 1974, eu ofereceria em mãos aos familiares do “VELHO GUÍ” agora, no momento da sua despedida desta ambiência para outro Plano de Deus.
P.S.: Um lembrete..., ou será um pedido?
Em Lá chegando, Velho Guí, não se esqueça de contar, para o Grande Mestre, aquelas picantes piadas de salão (de barbeiro) que tanto você gostava de ouvir e contar aqui no andar de baixo. Acho que, com este artifício, você pode até PASSAR POR MÉDIA!
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