domingo, 6 de novembro de 2011

Peres

Gibson Azevedo
Poeta

                             Conheci, há alguns anos, um senhor que atendia pelo nome de André Peres. Um homem de espírito desarmado que ostentava um corpanzil de bonachão. E no rosto daquela figura simples, guarnecia o seu sorriso franco um venerável bigode de mais de meio século de existência. Era, apesar de ser um autêntico boêmio, um trabalhador na sua faina de funcionário público. Frequentava alguns bares, inclusive o bar do vovô, no bairro de Petrópolis, onde nos conhecemos.  Peres era um poeta, o mais popular que o seu gosto de homem maduro permitisse. Gostava de versejar e declamava pausadamente ao sabor de sua verve singular, com a voz grave e nasalada e uma gostosa encenação. Era, como disse, um poeta!... Adorava ouvir algumas loas feitas por seus pares. Era de um bom papo, uma companhia agradável.

                            Gostaria de prestar-lhe uma sincera homenagem, publicando alguma poesia de sua autoria. Confesso que caíram no esquecimento toda aquela alegria, que eram os seus poemas, a maioria de cunho fescenino. Peres nunca publicou nada. Acho que foi melhor assim... , pois testemunho boquiaberto, serem editados nesta aldeia de Poti toda sorte de baboseiras, fruto de topetudos que se dizem poetas, mas que os  produtos destas falsas liras são letra morta a mancharem o branco límpido do papel, com garatujas desenxabidas, caraminholas insípidas, insulsos estropícios literários.  Com o mestre Peres víamos um versejar diferente, sem meias palavras, em um ritmo e métrica inconfundíveis; mesmo que a sua poesia fosse pouco recomendável às pessoas de ouvidos delicados, reticentes aos versos licenciosos, obscenos.

                             Lembro que ele se referia a um encontro de poetas glosadores ao qual ele compareceu, oportunidade na qual declamou uma glosa de sua autoria, da qual, com pesar, só lembro o segundo verso do mote: “merda n’água não afunda”. Contava, às gargalhadas, que alguns luminares da poesia, presentes àquele evento, desceram, dos seus respectivos pedestais, para abraçá-lo com honestas saudações de júbilo. Quantas saudades, mestre Peres! Por isto mesmo, lanço mão da minha veia poética para reder-lhe esta singela galanteria, com o mesmo tipo de poesia que tanto gostava... E usando a parte do mote que não se perdeu, da sua inusitada e hilariante glosa, ousei glosar:

Mote:

Vindo de qualquer Sujeito
Merda n’água não afunda

Glosa:

Não é que seja defeito,
Erro de fabricação...
É próprio do cagalhão,
Vindo de qualquer Sujeito.
Quanto a isto não tem jeito,
Não há com que se confunda...
Saindo de qualquer bunda,
Seja do pobre ou do rico,
Saiu de qualquer furico:
Merda n’água não afunda!

Natal-RN, 23 / out./2007.

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