--- Walter Medeiros
Quando estudante de direito, lá nos idos de 1976, nosso professor de Direito Penal, Dr. Ítalo Pinheiro promoveu uma visita da turma à Colônia Penal Agrícola Dr. João Chaves. Numa manhã, atravessamos corredores, conhecemos celas e demais espaços do presídio, sob a reclamação de que havia uma superlotação. A capacidade da penitenciária era para 600 presos e lá já se encontravam mais de 800 apendos. Já naquela época – 35 anos atrás – havia quem chamasse a Colônia Penal de Universidade do Crime. Ao invés de tratar da ressocialização dos presos, a unidade possibilitaria contatos capazes de cometer outros crimes.
A penitenciárias estava ali para receber três jovens que conheci em situações diversas, porém com certa identidade, pois tratavam-se de pessoas que não nasceram para delinqüir, mas o ambiente e as circunstâncias os tornaram delinquentes. A ressocialização deles dependeria da execução verdadeira de políticas públicas, amparada em estrutura estatal capaz de atender técnica e multidisciplinarmente, para retornarem ao convívio social amparados na vontade de vencer as adversidades e confiança no poder público como canal protetor da cidadania. Não foi o que ocorreu.
Inicialmente, podemos citar o exemplo de Lenilson, jovem que se envolveu com drogas nos anos 70. Em certo momento, para manter sua dependência, furtou o relógio do próprio pai e vendeu. Ao tomar conhecimento do ocorrido, o próprio pai prestou queixa e o filho foi preso. Solto por habeas-corpus patrocinado por amigos, ele logo voltou à prisão, pois um policial achava que sua liberdade era um engano. Nesse envolvimento em ocorrências policiais e mergulhado no mundo das drogas, em certa noite Lenilson matou o dono de uma bodega na rua onde morava. Terminou na penitenciária, em certe fuga sumiu e faz décadas que não se tem notícias do seu paradeiro.
O segundo caso que abordo é de A.F., jovem que também se envolveu no mundo das drogas e nunca recebeu tratamento apropriado. Primeiro, porque os pais foram os primeiros facilitadores, fornecendo dinheiro suficiente para as suas curtições por muito tempo. Quando o problema já estava bem mais grave, faltava dinheiro para fornecer e ele então passou a exigir da mãe tudo que era possível e o impossível também; passou a vender tudo que tinha em casa – TV, som, rádio, etc, além de tratar com violência a ponto de a mãe passar a morar em local escondido, para evitar encontros com ele. A.F. também terminou na penitenciária, lugar certamente inadequado, pois seu problema principal é o uso indevido de drogas, mas o poder público não mantém clínicas adequadas para tratar de dependência química.
Terceiro caso. Francisco era menino de rua, perdeu pais e morou com os irmãos menores. Consumiu e traficou drogas, delinqüiu também como assaltante e quase chegou a matar um homem. Debaixo de muitos processos, conseguiu cumprir suas penas e ao ser liberado agarrou-se a uma esperança, que veio através do apoio de uns religiosos. Transformou-se, contou sua história e hoje é um homem casado e trabalhador, re-socializado, que procurar agir com respeito, honestidade e correção. Ainda é olhado com preconceito, pelo seu passado, mas vai superando e sonhando com o dia em que muitos outros consigam seguir caminho parecido com o seu.
Conforme vimos nesses exemplos, o poder público precisa de políticas públicas e estrutura capaz de promover a verdadeira ressocialização dos presos. Mas a sociedade, a partir da estrutura familiar, precisa também preocupar-se com cada momento da vida dos seus jovens, para evitar problemas como a marginalização e orientar para melhores formas de vida. Sabe-se que o ambiente do crime vem crescendo de forma disparada, enquanto a sociedade e a máquina estatal voltada para o problema não acompanha esse crescimento, ficando cada vez mais para trás. Daí a necessidade de um olhar mais sério e verdadeiro para o problema, ou teremos nada mais que o caos. Aliás, já dava para se perceber grande preocupação naquela visita de 35 anos atrás, pois o professor Ítalo Pinheiro criticava a Colônia Penal Agrícola Dr. João Chaves, afirmando que de agrícola não tinha nada, já que ali não se plantava nem um pé de coentro.
(Artigo publicado no JORNAL LIVRE Nº 0)
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