sexta-feira, 9 de abril de 2010

DA INJUSTIÇA


Amaldiçoado em lágrimas

rasgo olhos ao horizonte

poente

inutilizo a noite

na chegada

em refúgio

(os cães ladram)

rememoro a hora

da notícia transmitida

palavra por palavra

revejo minha imagem

cristalizada

no congelamento

da lágrima depositada

(os cães farejam)

as dores se afastam

no distanciamento

necessário ao medo

o corpo estremece

ao se pertencer em dores

no horizonte hostil

da janela aberta

o futuro se depara

com a impertinência

do presente

(os cães comem)

afasto suas mãos das minhas:

o contato é lucidez

inoportuna na desesperança

a oração despercebida

rompe o silêncio

e se perpetua

afago o deslizar da hora

em horas subsequentes

(os cães se defendem)

murmuro o nada acontecido

e desacordo em sonhos

o retorno convive

com o fato

desproporcionado

revivo o outono em folhas

pelo chão

recupero a sanidade

e me faço cristal

de rocha esfacelado

(os cães se diferenciam)

sofro o instante

e gesto

o silêncio

o emudecer transmite

a incerteza da pergunta

na vastidão ampliada

da insensibilidade

(os cães desfazem)

posso perguntar

o que bem entendo:

mas não entendo

posso exprimir

a minha raiva:

mas não pretendo

posso aproximar

os olhos à fotografia:

mas não enxergo

(os cães confundem)

calendários dizem que os anos passam

o exercício diuturno de recuperar

o inconsciente e o aguardar

refulgente: recomposto

o exército lancinante dos ataques

distribui ossos que estalam

(os cães apavoram)

um dia destaco na pedra

o sinal: acordo

um dia acordo e na pedra

destaco o sinal

um sinal na pedra

é destaque quando acordo

(os cães se acovardam)

olho e enxergo

ouço e escuto

pego e sinto

levo à boca

e o sal amarga

o recesso de onde retirado

avaros dias de permanências

permanentes signos

aparentes esboços

o processo desarruma o fato

em procedimentos

(os cães arfam)

ouvidas as testemunhas

os peritos dizem

das especialidades

nada

nada

a improvável condenação

confundida em versos

na reversão da realidade

(os cães obedecem)

choro atravessar o espaço

desconsolado em fatuidades

remoço a fotografia

e me instalo diante

da orfandade

perder significa atos

ao despropósito

de continuar vivo

(os cães silenciam).

(Pedro Du Bois, inédito)

Um comentário:

  1. Caro Sodré, mais uma vez, grato pela divulgação. Abraços e bom final de semana. Pedro.

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