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As jornadas revolucionárias dos anos 70 eram literalmente de quem fazia a hora, conforme tão fortemente descreveu Geraldo Vandré em sua canção “Caminhando”. Era preciso lutar contra a ditadura militar, e para esta luta cada um tinha de fazer sua parte em meio a um mar de dificuldades e adversidades. A clandestinidade levava à necessidade de parecer “normal” e natural o encontro entre estudantes em bares, onde, a título de se divertirem, planejavam e realizavam tarefas de mobilização do Movimento Estudantil. Tanto que me lembro de uma frase pronunciada por um estudante e colega de turma no Curso de Direito da UFRN, que dizia: “quando escreverem a história da revolução brasileira, os bares terão um capítulo muito especial”.
Esta reflexão chega por conta de notícia que vemos no site do Ministério da Justiça, segundo a qual “Exposição Na Sala Escura da Tortura chega a Brasília”, através da Comissão de Anistia, pelo projeto Marcas da Memória. São sete telas inspiradas nos relatos de Frei Tito durante seu exílio na França, que ficam expostas no Museu Nacional da República até 20 de novembro corrente. Os quadros, que pertencem ao acervo do Instituto Frei Tito de Alencar, foram pintados a óleo pelos artistas Julio Le Parc, Gontran Guanaes Netto, Alejandro Marcos e José Gamarra. A exposição denuncia a tortura. Frei Tito foi preso por participar do congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes – UNE, em Ibiúna, em 1968. Durante 30 dias, aquele religioso sofreu torturas nas dependências do DOPS.
A sala escura era algo que gerava dramáticas interrogações entre os militantes, que estavam dispostos até a enfrentá-la, se preciso fosse, mas que era encarada com temor, pois o ser humano não nasce para isto. Apareciam até situações descontraídas e hilárias, pois ninguém é de ferro, que poderiam também levar algum a declamar versos de uma canção cantada por Helena de Lima em seu célebre LP “Uma noite no Cangaceiro”, que dizia: “Ris, podes rir, não faz mal/ todo amor, afinal,/ deixa o peito sangrando...”. Tão inserida no contexto estava aquele instrumento ditatorial, que fez parte de uma canção de Chico Buarque que era mais um dos seus verdadeiros gritos de guerra – “Vai levando”, que dizia: “Mesmo com o nada feito,/ Com a sala escura,/ Com um nó no peito,/ Com a cara dura,/ Não tem mais jeito,/ A gente não tem cura”.
Pois lá pelos idos de 1976 cerca de 60 estudantes da UFRN resolveram ficar solidários a cerca de 100 estudantes que se manifestaram nas ruas de São Paulo. Resultado: todos foram depor na Assessoria de Segurança e Informação – ASI da UFRN ou na Polícia Federal, que ficava perto da Maternidade Januário Cicco. Na Polícia Federal, o Delegado Hugo Pôvoa interrogava um militante, enquanto um já estava preso e outros eram esperados para depor. O interrogatório era tão áspero, a situação era tão tensa, que o militante estava preocupado com todo aquele aparato. De repente, o inquiridor se afasta e abre uma porta, de onde o interrogado não vê nenhum sinal de luz. O policial entra na sala e fecha a porta. O militante imaginou, por um momento, que poderia ser a Sala Escura, já que havia se negado a responder algumas coisas sobre a organização do movimento. Mas não era; para seu alívio e alívio do interrogador. Era apenas a porta do sanitário.
*Jornalista
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