Leonardo Sodré
2005
Fazia tempo que ele só pensava nela. Dia e noite, como um vício. Estava ficando preocupado com a sua sanidade mental, mas desde que acessara aquele site feminino e lera os contos eróticos de Mellisa Hoffman, não parava de pensar, de fantasiar um encontro e de imaginar como ela era fisicamente. Às vezes, na rua, via alguém com as características relatadas nos textos e sonhava com ela. Não tinha mais paz. Sua vida se restringia ao trabalho de repórter de TV, num programa voltado para o cotidiano e fatos policiais da cidade numa grande emissora e imaginar a escritora.
Um dia, entrevistando uma certa Milena, errou o nome duas vezes trocando pelo nome de sua amada. Depois disso, tomou uma decisão: iria conversar com os seus dois melhores amigos, o escritor Charles Phelan e o jornalista e também escritor, Cid Augusto. Marcou no tradicional Bar do Ku, num sábado. Queria se abrir. "Talvez fazendo isso – pensava – consiga me livrar dessa perseguição mental, desse amor que está me levando a loucura e provocando até novas alergias!"
No bar, não demorou em abrir seu coração, com muito entusiasmo. Tanto, que relatou até alguns momentos mais íntimos de suas fantasias com a sua amada escritora, dizendo que por mais de duas vezes havia até sentido um grande prazer sexual. A velha masturbação.
Durante o relato era evidente o desconforto de Charles, que em nenhum momento se manifestou, enquanto o jornalista Cid Augusto parecia se divertir com a história, participando com prazer dos sonhos libertários do repórter, que entre outras coisas, disse que não poderia morrer sem conhecer a “escritora mais sensual da História da Internet”.
O tempo passou. Mais de três anos. Durante esse período os três amigos sempre se encontravam para umas cervejas nos fins de semana, sendo que vez por outra o nome de Mellisa Hoffman vinha a tona. Aí, o repórter não se controlava e falava horas no seu amor secreto. Até que um dia, quando os três bebiam, coincidentemente no Bar do Ku, Cid Augusto não se conteve:
- Amigo, eu não agüento mais. Desejo lhe dizer que conheço Mellisa Hoffman há muito tempo e somente não lhe apresentei por falta de coragem.
O apaixonado não se conteve de curiosidade, remexeu-se na cadeira. A conversa tomava um rumo absolutamente novo. Perguntou:
- Faltou coragem por quê? - disse quase irado, desconfiado.
Charles olhava as mangueiras floridas do mês de outubro, olhar distante, quando Cid Augusto, suspirando em busca de coragem, relatou pacientemente:
- Você sabe, amigo... Na internet ninguém se identifica. Você lê a coisa, mesmo num site feminino, mas não sabe quem escreveu, ou melhor, não sabe se é homem ou mulher, ou até mesmo um travesti...
- Espere! - gritou o repórter - o que você está querendo me dizer?
- Bem... Eu quero lhe apresentar Mellisa, ou melhor, Hoffman, ou melhor ainda, Charles Phelan. Aperte a mão dele Charles...
Dedé, o garçom, correu para acudir o experiente repórter, que, desmaiado, com olhos abertos, fitava o céu como se ele tivesse caído de uma vez em cima dele.
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