Públio José – jornalista
(publiojose@garrapropaganda.com.br)
Uma garota X namorava um rapaz Y. No início tudo transcorria às mil maravilhas. O lastro intelectual e cultural de cada um encantava os que mantinham relações de parentesco e de amizade com os dois. O sorriso fácil, a alegria contagiante, o semblante irradiando aquele estado de espírito natural dos enamorados, a paixão, o bem querer que os envolvia. Tudo bom demais. As afinidades entre eles surgiam como capim no sertão em tempo de chuva. Até onde se podia enxergar, ali estava um relacionamento profícuo, produtivo, duradouro. Além de tudo, ambos eram bonitos, impressionando a todos pelo porte e pela elegância no vestir, no andar, no falar. Enfim, a lógica prognosticava, aquele era um namoro feito sob medida, principalmente se considerarmos os tempos nos quais vivemos de tanta infidelidade, de tanta inconstância nos compromissos de ordem afetiva, amorosa, sentimental.
Vida que segue e eis que surgem os primeiros problemas. A necessidade de ela morar em outra cidade impôs aos dois um distanciamento físico. Aí o relacionamento desandou. A moça vivia a policiar a vida do rapaz rotineira e diuturnamente. Se ele saía com os amigos logo ela descobria e, roída de ciúmes, demonstrava sua insatisfação pelo fato de ele “estar traindo-a, aproveitando-se da sua ausência”. As primeiras confusões foram catalogadas como zelo, preocupação com o ente amado. Mas, em função da continuidade de tal comportamento, logo o rapaz – que vinha se impondo admirável fidelidade – começou a ficar impaciente, irritadiço, vendo-se tolhido em sua individualidade. Certa ocasião, ao ir com sua irmã a um aniversário, acompanhado de um amigo, viu-se agredido por ela pelo telefone. Raivosa, desconfiava do local no qual ele estava, afirmando ser ali um antro de...
Lógico que o relacionamento, antes tão bonito e promissor, chegou a um desfecho melancólico, desmanchando-se lentamente como sorvete ao sol. Quando questionada, a garota dizia que assim agia “por amor”. Será? Eis aí uma conclusão perigosa. Se olharmos certos fatos históricos, veremos que muitas tragédias foram causadas em nome do amor. Exemplo? Judas. Certos estudiosos chegam a diagnosticar como “amor à causa do Mestre” as motivações que fizeram Judas trair Jesus. Como isso teria acontecido? Segundo tal raciocínio, Judas – ao ver que Jesus se desviava, segundo ele, da visão original da libertação proposta por Deus para o povo judeu – concluiu que o Mestre, com suas pregações, com seus milagres e com seus largos gestos de carinho, de compreensão, de amor, jamais transformaria em fato consumado as profecias que o davam como o Mensageiro, o Enviado, o Libertador.
Assim, por zelo excessivo, por amor à causa, decidiu entregá-lo às autoridades. Tais estudos indicam que, na ótica de Judas, os castigos funcionariam como verdadeira sessão de choque para trazer Jesus à realidade. Pelos castigos, ele chegaria à conclusão que os métodos até então empregados se mostravam impróprios, senão totalmente inadequados. O plano de Judas era que Jesus, após a corrigenda, passaria à formação de um exército e a conseqüente convocação geral às armas, única forma real, lógica, estratégica de alcançar, no seu entender, a tão prometida libertação do povo. O desfecho todos conhecem. Jesus foi preso, torturado, julgado sem a presença formal de um advogado de defesa, condenado (nessas circunstâncias) e crucificado. Sabe-se também que Judas, vendo seu plano de águas abaixo, se suicidou, dando, assim, tons trágicos à sua distorcida visão de salvação do povo hebreu.
Essa história do emprego de métodos violentos, constrangedores, em nome do amor, é uma enorme – e muitas vezes fatal – distorção do significado e do propósito do que Deus pretendeu ao dotar o ser humano da capacidade de amar. Pois amor é a maior de todas as virtudes, solo de onde brotam e se desenvolvem todas as demais práticas voltadas ao bem estar do próximo. Amor é agir em paz, harmonia, união, tolerância, compreensão, bem querer... Atitudes distantes, em seus significados, do comportamento adotado por ciumentos além da conta, assassinos passionais, pedófilos religiosos, pais pervertidos... Uma longa lista, enfim, de tipos que desconhecem o amor pela prática de crimes de toda ordem. Amor é também se dar ao outro, perdoar, respeitar, servir. Já o contrário disso é sentimento de posse. Farto em seus efeitos trágicos, maléficos, dolorosos. E pérfido em sua essência.
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