Leonardo Sodré*
Passava das 20h. Da rua Vigário Bartolomeu surge a inconfundível figura do poeta João Gualberto. Longos cabelos brancos amarrados para frente, tocando uma gaita. Nos braços, vários pacotes. Chega distribuindo um livro xerocopiado pelas mesas. De poemas. Cobra R$ 10 reais por cada um. O meu, presenteou para que as poesias pudessem ser aproveitadas no “Natalpress”. Dos outros não recebeu nada, mas estava feliz, mesmo sem livro e dinheiro. Abri o exemplar. De cara um poema em homenagem ao jornalista Alexis Gurgel, já falecido:
Alexis é um profeta
De nossa aldeia global
Mcluhan atira a seta
Acabou-se a tirania
Chegou ao fim a poesia
Aléxis é um profeta
Verso deixou de ser meta
O concretismo é real
Revolução em Natal
Com Falves, Dailor Varela
Anchieta na janela
De nossa aldeia global
O poeta sentou nos degraus de acesso a escadaria da Maçonaria e gritou:
- Quem topa trocar um “Gual” por três João Gualberto?
Riu alto. Acendeu um charuto e improvisou uma música para Civone Medeiros, que estava sentada noutra mesa com Eduardo Alexandre (Dunga), Nalva e Ceiça.
Um bêbado que dormia numa cadeira sobressaltou-se com um sonho ruim e quebrou um copo. O barulho da queda na calçada do Bar de Nazaré reavivou o poeta que de um salto gritou:
- Viva a Grécia! Vamos quebrar copos para dar sorte!
Alguém de uma mesa afastada imitou:
- E os pratos também!
Nazaré, apavorada, chega numa carreira olímpica gritando:
- Pela caridade, os meus copos não! Meus pratos? Nem pensar... E você João Gualberto sai já da entrada da Maçonaria e pare de gritar!
O poeta levantou-se em silêncio. Lentamente olhou para as escadarias da Maçonaria, virou para rua com um sorriso maroto e com os braços levantados, gritou:
- Viva a Maçonaria!
Depois, pegou a gaita e, devagarzinho, tocando uma música indecifrável, lançou-se em direção as sombras da rua Coronel Cascudo.
*Jornalista e escritor
DRT 0985 RN
(Julho de 2005)
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