sábado, 24 de março de 2012

Memorial do Guerrilheiro Glênio Sá – Cidadão Natalense - IV

--- Walter Medeiros*

A têmpera revolucionária de Glênio fazia-o buscar incessantemente a reimplantação do Partido na região, através dos contatos possíveis. Noites, madrugadas e dias afora ele tentava reconstituir os documentos, entre eles os Estatutos, ao mesmo tempo em que procurava participar dos raros eventos democráticos que eram programados. Corajosamente, fundou, juntamente com outros militantes políticos, no início de 1980, no bairro de Igapó, uma Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH.

A SDDH foi a forma encontrada para aglutinar as pessoas e organizar as reivindicações populares, que eram muitas. Mesmo localizada em Igapó, a entidade tinha um trabalho abrangente e seus representantes tornavam-se propagadores das idéias libertárias que tomavam corpo a cada dia. Além do que se tratava de uma associação criada e registrada dentro de todas as exigências da legislação civil.

Tratava-se de uma entidade democrática e comprometida com a luta dos setores populares, que reunia um grupo considerável de pessoas e discutia os assuntos políticos do momento. A primeira grande luta da sociedade foi contra a poluição provocada por uma fábrica de diatomita – Diafil - que afetava os moradores do bairro. Manifestações, atos e ações de protesto contavam com a participação de operários, donas de casa, clubes de mães e de jovens, estudantes e profissionais liberais.

Daquele movimento surgiu a necessidade de reproduzir documentos, algo proibitivo à época; as gráficas eram ambientes muito visados pela repressão. Optaram, então, por fazer um jornalzinho mimeografado, num mimeógrafo a álcool que adquiriram disfarçadamente na Loja Sosic e que era capaz de fazer 50 cópias, em tinta azul, datilografando folhas de stêncil.

Havia uma movimentação revolucionária, onde as exigências por democracia aumentavam e o povo clamava por uma Constituinte que substituísse o autoritarismo da Emenda Constitucional Nº 1, chamada de Constituição de 1967. Era conseqüência da experiência dos anti-candidatos Ulisses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho, para Presidente e Vice-Presidente da República e outros momentos de luta nos meios partidários e estudantis, uma vez que os sindicatos quase não participavam de atividades que entrassem em confronto com a ditadura.

Algum contato feito pelos partidos clandestinos eram avaliados muito cuidadosamente, pois podiam tratar-se de ciladas da repressão. Tempo em que até as informações tinham que ser decoradas e não anotadas, para não deixar pistas. Um dos amigos comentava sobre a dificuldade que teve para transmitir uma mensagem a um dos seus camaradas, um endereço em Paris, que decorou completamente. E o camarada que recebeu a informação também decorou. Ninguém podia se arriscar.

Depois de retomado o contato com o Partido, periodicamente recebiam a visita de membros do Comitê Central, que traziam documentos e informações, além de realizar reuniões completas para atualizar a todos. Eram antigos camaradas, que traziam grandes experiências da luta revolucionária e novos militantes, que estavam exercendo funções importantes na política nacional ou regional. As reuniões eram sempre um período de total tensão. O aparelho tinha que ser mantido na mais perfeita camuflagem e o sigilo sobre a presença do representante nacional era total. Nada podia ser revelado nem mesmo aos familiares que não estivessem envolvidos com o Partido, pois tratava-se de questão de vida ou morte.

*Jornalista

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