sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Carta de um Zé Ninguém no Natal



Nelly Carlos
Jornalista


Eu me chamo Zé ninguém e escrevo pro mundo pra dizer que essas datas comemorativas como Natal e Ano Novo me deixam pequenininho, cabisbaixo, pensativo, e também bastante triste. Faço um balanço de como foi o meu ano e o de milhares de pessoas que não tiveram oportunidades. O ano começou e está terminando do mesmo jeito. Continuo com fome de comida e de justiça. Mesmo não tendo ponto certo pra ficar, caminho pra espantar as doenças, pensando bastante sobre todas as dificuldades que eu e os quase 800 mil moradores da nossa cidade Natal enfrentam.

Numa das noites antes de tentar dormir em um dos bancos das praças, calçadas ou becos dessa vida que eu tenho, rezei e fiz um pedido aos Deuses. Não sei me expressar muito bem porque não tive condições de estudar, já que desde criança, tive que me virar pra não morrer de fome. Graças a Deus sobrevivi. Mesmo sendo invisível até pro Papai Noel pedi que no ano que vai começar, a minha vida e a vida de milhares de pessoas seja um pouco diferente, menos amarga. Até hoje, minhas preces não foram atendidas. Confesso que não pedi nada tão especial ou caro. Pedi apenas que as pessoas desse Brasilzão, não pensem apenas em se dar bem.

Mesmo diante de tantos dissabores e escândalos políticos, não perdi e a fé e a esperança em ver os moradores dizendo com orgulho que aqui é Natal o ano inteiro. Temos emprego, posto de saúde que ofereça o mínimo de atendimento aos doentes, escola pros filhos e políticos que queiram realmente trabalhar pelo povo, sem vender a alma para se reeleger ou como vai ficar o jogo das cartas marcadas para a próxima eleição. De novo confesso que se esses políticos se elegem e fazem isso como profissão, a culpa é nossa porque sabemos que os criminosos sempre voltam à vida do crime.

Na contramão do meu sonho constato que Natal é feita de contrastes: os ricos de um lado e os pobres do outro, esquecidos até pelo Papai Noel. Por causa disso fico cada vez mais encolhido em minhas desilusões. Mas, apesar de ser e me sentir cada mais um Zé ninguém em mais um Natal, tenho um grande aliado: a fé. Uma fé que às vezes, mesmo sem eu querer, se perde em determinados momentos quando vejo as pessoas se consumindo pelo ganhar e ter cada vez mais poder e dinheiro, esquecendo que pra ser feliz não precisa de muito. Dói quando vejo a sangria desatada do comprar e comprar onde as pessoas não lembram que a vida é simples e que existe a esperança de um mundo melhor – mesmo que imaginário.

Foi nesse mundo imaginário e lúdico que passei a noite sonhando. Nele tinha pouca coisa, mas o suficiente pras crianças: escola o dia inteiro. Nessa escola da vida, os pequenos cidadãos estudavam e recebiam saúde, segurança e alimentação. Como também aulas de educação, ética, moral, respeito, honestidade, cidadania, amizade, sinceridade, solidariedade, civilidade, etc. Todos se tornaram adultos estudados e esclarecidos. Aprenderam, com maestria, o quanto é importante saber discernir o que é falso e legítimo no caráter das pessoas. Com estudo, trilharam destinos e caminhos diferentes, sabendo que queriam trabalhar por uma vida melhor, sem se vender e sendo respeitados pela sua honestidade.

No meu sonho, uns até viraram políticos de ficha limpa e souberam honrar os milhares de votos que receberam do povo, sabendo que não eram políticos por profissão, estavam apenas exercendo um mandato, desempenhando e defendendo o que é certo, principalmente o povo.

Infelizmente acordei e vi que continuo com minha vidinha vazia, continuo um Zé Ninguém. Tenho fé em Deus que um dia as pessoas vão mudar a forma de pensar e agir. Dessa forma a vida vai ser diferente, com esperança, vivendo em um mundo melhor, mais feliz para todos e não apenas para alguns poucos. Meu Deus faça um milagre neste Natal...

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