quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A cura indesejada

Francisco Edilson Leite Pinto Junior

Professor, médico e escritor


“Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto dure”
(Vinícius de Morais)

Penso que São Paulo se equivocou ao dizer que o amor tudo crê, tudo espera e tudo suporta. Não é bem assim. Afinal, o amor, como alertava Drummond, é bicho instruído. Portanto, ele pode pular o muro, subir na árvore em tempo de se estrepar: “Pronto, o amor se estrepou. Daqui estou vendo o sangue que escore do corpo andrógino. Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca/ às vezes sara amanhã”.

E o danado é que às vezes sara mesmo. Mas, e o amor é doença para sarar? Claro que é. Se não fosse, Camões não teria dito: “Amor é fogo que arde sem se ver, É ferida que dói, e não se sente”.

Padre Antônio Vieira (duvido que alguém escreva melhor do que ele) também considerava o amor uma doença - que deveria ser incurável, mas, infelizmente, tem cura. E quais são os remédios do amor, segundo Padre Vieira? São apenas quatro, mas com um poder de curar extremamente potente...

O primeiro remédio é o tempo. Por isso que Cupido, deus do amor, é pintado como criança, pois “não há amor tão robusto que chegue a ser velho”. O passar das horas faz com que as flechas de Cupido percam a potência; que o amor que é cego passe a enxergar; que suas asas cresçam e ele voe para bem longe... o tempo gasta o ferro com o uso, diz Vieira, que dirá o amor! “O tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto...”.

O segundo remédio, para curar o amor, é a ausência. Ora, se com a proximidade as flechas de Cupido correm o risco de não nos atingirem, que dirá com a distância... “A ausência tem os efeitos da morte: aparta, e depois esfria... tudo esquecido, tudo frieza”. E o fogo que arde sem se ver, com a distância, vira um deserto polar.

O terceiro remédio é ainda muito mais poderoso do que os dois anteriores. O seu poder de ação é quase instantâneo: a ingratidão é mortal para o amor. “Se o tempo tira do amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo”. E o danado é que só os amigos são ingratos. Era por isso que Nelson Rodrigues dizia que “só os inimigos são fiéis”, já que estes nunca serão ingratos e nem nos trairão. Não foi a toa que Cristo se queixava de que semeando grandes benefícios nos corações dos homens, se colhia maiores ingratidões...

Por fim, se o amor foi capaz de resistir até aqui - embora duvido que exista amor que consiga vencer: o tempo, a ausência e a ingratidão-, chegou a vez do mais eficaz de todos os remédios, o que até hoje, ninguém deixou de sarar: o melhorar de objeto, que nada mais é do que conseguir um outro amor. “Dizem que um amor com um outro se paga”, alerta Vieira, “mas o certo é que um amor com um outro se apaga”... as estrelas conseguem brilhar nas trevas, no entanto, numa luz ainda maior que é o Sol, elas desaparecem, deixam de brilhar...

Infelizmente, o mundo está se curando do amor. Hoje, os relacionamentos são pelos celulares e internet, ou seja, ausentes e distantes. E com o passar do tempo serão tão frios que as terminações nervosas, que os unem, ficarão anestesiadas, e “o amor que não é intenso”, adverte Vieira, “não é amor”... Triste humanidade que não consegue debelar um vírus de uma gripe suína, mas que é extremamente “competente” para destruir o vírus do amor...

Um comentário:

  1. amor de verdade só uma vez nessa vida e como bem diz o autor do artigo,ainda exista quem o destrua.
    Ótimo artigo

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