sábado, 21 de setembro de 2013

Dominguinhos chegando no céu.


Luiz Gustavo Oliveira
Campina Grande - PB
23/07/2013

- Manda chamar São Pedro ai menino! Avisa um senhor robusto de passo vagaroso e sorriso tímido ao anjo que o recebe na portaria do céu. E o anjo, tomado pela surpresa do pedido, emenda sem muita convicção:

- São Pedro essa hora está dormindo!

E o homem de gestos lentos e voz baixa, com sua sanfona do lado não perde tempo:

- Eu  sabia. Só pode estar dormindo o santo, com tonta seca no Sertão! E continuou:

- Pois me diga uma coisa, meu filho, onde é que fica aqui o pessoal do forró, do baião, do xote, do xaxado, do pé de serra?

E o anjo já irritado já com tanta perguntação, dispara:

- O senhor pegue sua sanfona e entre tocando do mesmo jeito que fez a vida toda e eles vão reconhecer na hora pois pra tocar como o senhor, aqui nunca chegou ninguém.

E assim, querendo agradar, Seu Domingos aprumou sua velha companheira e emendou sua cantiga mais linda:

Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo 
Um sorriso sincero, um abraço,
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade 
Que bom, 
Poder tá contigo de novo,
Roçando o teu corpo e beijando você,
Prá mim tu és a estrela mais linda
Seus olhos me prendem, fascinam,
A paz que eu gosto de ter.
É duro, ficar sem você
Vez em quando 
Parece que falta um pedaço de mim
Me alegro na hora de regressar
Parece que eu vou mergulhar
Na felicidade sem fim

Seus olhos brilhavam, a medida que os amigos de tantos anos iam aparecendo.

Veio Jackson com um pandeiro na mão acompanhando a toada. Deu um abraço e disse:

- Tamo junto. Hoje o côro vai comer.

Veio Patativa do Assaré com um maço de papel rabiscado e emendou:

- Não vinha simbora não homem? Olha o tanto de letra pra você botar musica.

Veio Marinês com uma chinelinha rasteira e não perdeu tempo:

- Até que enfim, Neném! Pensei que tú não vinha mais. Termine logo essa ladainha que eu quero matar a saudade de tocar um xote contigo.

Addias na sua sanfona de oito baixos rasgava solos de arrepiar as penas dos anjos que se aproximavam pra ver aquela "confusão" que se formava na entrada do céu.

Um sujeito de uma brancura que doía nos zóio puxou também seu fole que logo Dominguinhos reconheceu. Com uma deferência sanfonada, abraçou o velho amigo:

- Se achegue, mestre Sivuca. Eu lhe disse que a gente ainda se encontrava.

E assim, tantos outros grandes mestres da musica popular nordestina. Tantos amigos, tantos companheiros desses longos anos de estrada.

O forró começou e era uma música atrás da outra.

- Eita forró bom como o diabo! Gritou Dominguinhos. Pra quê?

Os amigos quase que em coro advertiram:

- Hômi! Se ajeite no linguajar que você tá no céu. Aqui não se fala no coisa ruim.

Dominguinhos deu aquela sua risada macia que lhe é caracteristica.

- Oxe, e é mesmo né? Pois tá combinado.

Com meia hora de forró, Dominguinhos olhava pra um lado e pro outro como que procurasse alguém que ainda não tinha dado as caras naquela animação. Todos já sabiam de quem se tratava mas como já estava tudo combinado, faziam de tudo pra aumentar  ainda mais o suspense. A esta altura, já faziam parte da plateia em deleite, um milhão de anjos e querubins, Santa Luzia, São Pedro (ainda com uma cara de sono bem dormido) e São João que não podia faltar depois de tantos anos vendo o velho sanfoneiro tocar em suas festas. Até o Todo Poderoso mandou seu filho na frente pra avisar que esperassem ele chegar pra presenciar o grande encontro. Apesar de toda sua onipresença, esse encontro ele fazia questão de ver com os próprios olhos.

Foi então que, chegando de mansinho por trás, o velho amigo pousa a mão no ombro do sanfoneiro de Garanhuns, que numa alegria que não se via há anos, puxava os versos animados de "Olha! Que isso aqui tá muito bom Isso aqui tá bom demais Olha! Quem tá fora quer  entrar Mas quem tá dentro não sai..."

Dominguinhos não precisou nem virar. Reconheceu o amigo pelo cheiro. Aquele cheiro. Aquele cheiro bom. Aquele cheiro lá das bandas do Exú.

E nesse instante, o céu se alumiou ainda mais e se cumpriu a Prece a Luiz escrita por Dominguinhos anos atrás e cantada agora entre um longo abraço e lagrimas de saudade e alegria pelo reencontro.

Prece a Luiz
Por Dominguinhos

Se Deus me desse outra vida
Além dessa que vivo
Iria viver de novo pertinho de seu Luiz
E aprender outra vez, os segredos da sanfona
O canto de amor a terra e esse apego ao chão

Se Deus me desse outra vida 
Gastava ela na estrada
Varando noites a fio
Fazendo o povo dançar
Só queria teus abraços pra descansar da sanfona
Depois de nela tocar, o mais bonito baião
Pois Asa Branca, na vida triste do povo
Para o nordeste alegrar trazendo amor e paixão
Légua tirana deixa distante do povo
Seca martírio e miséria trás alegria ao sertão
Faço uma prece ao Luiz
Peço pra me iluminar
Que eu não esqueça a raiz do rumo do meu cantar

E as lagrimas que caiam dos olhos de Dominguinhos, do Gonzagão e de todos aqueles que ai estavam carregaram as nuvens do céu e depois de tantos dias, choveu no Sertão do Brasil.

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