domingo, 19 de janeiro de 2014

CADÊ O TREM?

Públio José – Jornalista
(publiojose@gmail.com)

                            Os primos iam chegando do interior, na carona de algum doente, ou então para passar as férias “na cidade grande”. A minha excitação era enorme no sentido de mostrar “aos do mato” as coisas da capital. Era um tempo bom. Nossa casa vivia cheia de novidades, servindo de posto de serviço para parentes e amigos vindos de longe, na busca da solução dos seus problemas. Gente transitando diariamente da sala para a cozinha.

                                   Eu, cheio de superioridade, ansioso por mostrar as últimas novidades, o que estava moda. Lembro-me que entre as coisas mais modernas e que eu fazia questão de mostrar, de fazer os meus amigos conhecer o mais rápido possível era o trem. Ah, o trem! Seus mistérios, seu charme, sua presença forte, seu apito piuíííííííííííííií tomando conta de nosso dia-a-dia. O encantamento que me ocorria quando ia receber meu avô na estação. Ele chegando de Baixa Verde pelo trem. Eu, cheio de graça, de alegria, na grande expectativa de pisar o saguão iluminado e amplo da estação ferroviária.

                                   De repente o trem saiu de cena. “O Milagre Brasileiro” dos anos 70 fizera o Brasil tomar outro rumo. A prioridade total agora era o mundo trepidante do automóvel. O Fusca, o Corcel, o Opala, os ônibus, os caminhões etc, etc., tomaram as ruas e estradas do Brasil, ceifando de nossas lembranças a presença marcante do trem. Piuíííííííííí. Para nós, crianças nascidas e crescidas embaladas pelo seu resfolegar robusto e o estremecer do chão sob nossos pés, o trem era muito mais do que motivo de simples brincadeiras. O que nos enchia de esperança era um dia viajar pelos seus trilhos nossas ansiedades infantis.
                                   Do ponto de vista dos adultos, o trem era progresso, desenvolvimento, emprego, renda. Toda uma tradição, toda uma cultura, todo um modo de vida de grande parte das nossas populações girando em torno de trilhos, vagões, locomotivas, estações. Nas cidades do interior os relógios, os compromissos, os afazeres, tudo era sincronizado pelo seu chegar e pelo seu partir. Estudantes em férias, comadres chegando para a visita, a festa da padroeira, mercadorias chegando, embarcando... Tudo isso foi levado pela fumaça do tempo e pelo privilégio dado pelo Governo à indústria automobilística.

                                   Ah, mais eis que um dia voltam as esperanças. O trem estatal, atrasado, lerdo, arcaico, prejudicial às finanças públicas, de empregados despreparados, acomodados, protegidos por sindicatos corporativistas, esse trem – junto com outros paquidermes estatais como empresas de energia, bancos, telefônicas – vai sair de cena e dar lugar a outro trem. Um trem moderno, eficaz, rápido, de fazer inveja a trem de Primeiro Mundo. Até o FMI ia ficar maravilhado. Minha expectativa foi tamanha diante dessas notícias, que tive vontade de convocar os velhos companheiros de infância, tanto os da cidade como os do interior, para lhes contar a grande novidade: o trem, enfim, ia voltar ao seu trono, ao lugar de destaque que tinha nas nossas brincadeiras e nas nossas lembranças.

                                   A privatização foi coroada de êxito. Altos funcionários do Governo e altos executivos de empresas nacionais e internacionais comemoram o sucesso do novo modelo econômico. A Bolsa de Valores exulta, o mercado envaidecido espoca seus champanhes. A voz do locutor do Jornal Nacional nos emociona. Agora o Brasil (e o trem junto) vai. Foi? Que nada. Passam-se os anos e nada acontece. Estações desertas, maquinistas desempregados, trilhos desaparecendo, e uma atividade que tinha tudo para lastrear a atividade econômica do Rio Grande do Norte continua seu processo de fenecer, murchar, se encaminhando lenta e inexoravelmente para a extinção.

                                   O turismo reclama o trem, o progresso econômico também, a lógica matemática, o bom senso. Nos países avançados o trem é reverenciado. Um dos homens mais ricos do mundo – um japonês – fez sua fortuna pilotando uma empresa ferroviária. O trem vai muito bem ali, acolá, alhures. No Brasil, nada. No Rio Grande do Norte, muito pior. Recentemente grandes investimentos foram anunciados no sul e no sudeste, estatísticas comprovam que o transporte de contêineres e de passageiros por trem sai muito mais barato, empresários locais afirmam que o “Estado deve investir em melhorias na rede ferroviária”. E nada acontece. Ou melhor: tudo piora.

                                   Revejo meus sonhos, amplio meus horizontes e me vejo viajando de trem pela França, Japão, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Rússia, Turquia, Estados Unidos, Canadá... Que povo mais besta, esse de lá, perdendo tempo com trem. Andando de um lado para outro sob trilhos. O brasileiro não. O brasileiro não perde tempo com trem. Ao que tudo indica somos mais inteligentes, muito mais. Aqui nós jogamos o trem na lata do lixo e andamos de carro, ônibus, caminhão, carroça, por estradas... esburacadas. Bem melhor, você não acha?

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