domingo, 11 de novembro de 2012

Panfletos e sexo


Paulo Correia
Jornalista
paulo.correia@r7.com

Hoje acordei com o sol já forte. Passava e muito do meio-dia. Levantei e o corpo já pedia calma. A boca estava com o gosto da cerveja e do uísque de ontem à noite. A maquiagem estava ainda na face, mas a desconstrução da mulher fatal já tinha ocorrido. Do meu lado dormia a minha amiga de trabalho e de baladas. Amiga não, isso é muito profundo, colega mesmo. Uma garota bonita, morena, e com um corpão de fazer parar o trânsito. Duas meninas sem muito conteúdo e dispostas a quase tudo por uma noite de loucuras. 
Trabalhamos juntas. Fazemos a entrega de panfletos de festas em boates e bares freqüentados pela chamada elite de Natal. Uma rotina que começa cedo. Assim que recebemos a ligação do nosso “agente”, Carlos, temos poucas horas para produzir nossa imagem, e isso quer dizer: colocar muita maquiagem no rosto, roupas provocantes e curtas no corpo e fazer caras e bocas quando necessário. Uma rotina que já começa na quarta-feira, quando as primeiras concentrações de baladeiros saem de suas tocas para curtir a noite da cidade, e somente terminam no sábado, quando os últimos bares estão fechando as portas. 
Jess, ela não gosta que a chamem de Jéssica, está de rolo com Carlos. Parece que não é garota de rua como eu, que não sabe as malandragens desse escroto. Coitada. Pior que mulher ingênua é piriguete querendo ser ingênua. Eu já contei para ela o que ele faz nas horas vagas, quando não está no carro esperando a gente nas intermináveis noites de festas. Já lhe contei do seu sujo contato com policiais em roubos de veículos e tráfico de drogas. Já lhe contei da sua fuga de Pernambuco por conta de um assassinato na periferia de Recife. Ela que descubra o verdadeiro Carlos como quiser. Só espero que não seja através de tapas no rosto, nem muito menos roubada por ele. 
Mas voltando para as nossas noites. Ontem tivemos que fazer dois bares, entregando CD´s promocionais de uma dessas milhares de bandas de forró que estão por ai. Depois fomos para uma cidade próxima, distribuir gracejos em uma vaquejada comandada com mãos de ferro por um empresário do ramo de carros usados e um prefeito seboso acompanhado de dois vereadores mais asquerosos ainda.
Na festa, o prefeito sugeriu ao Carlos que ficássemos um pouco mais. Que as lindas meninas curtissem o forrózão alguma coisa que tava no palco e que era o maior sucesso da temporada. Um sucesso baseado em músicas que falam de carros 4x4, raparigas e bebidas. Nada de novo para essa danada aqui, que já ouviu esses repertórios incontáveis vezes. Que já sabia todos os passos daquela noite planejada na cabeça do prefeito e seus asseclas. O forró para eles era o de menos, o que eles queriam era sexo e putaria até altas horas. E tudo isso à custa das duas meninas-panfletos ali do lado. Eu e a Jess.
Depois de muito beber, cair e levantar, Jéssica já estava para lá de Bagdá. Ela foi presa fácil para os administradores locais. Eu, que já tinha levado muita porrada dessa vida ao longo dos anos, bebi pouco e soube enrolar muito até a madrugada. Observei que um dos vereadores era mais calado e tímido, e foquei minhas garras nele. Fiz de tudo para que ele me escolhesse e me levasse para algum lugar sozinho. Assim seria mais fácil embebedá-lo e conseguir trabalhar bem menos naquela noite. Se é que vocês me entendem. 
Dito e feito. O nobre caiu de amores por mim. Queria sexo, isso é inegável. Mas não da forma selvagem como o prefeito e o outro vereador. Esses ficaram com Jéssica, que foi liberada pelo Carlos. Esse fez cara de homem ciumento na frente dela, mas assim que a largou com os dois brutos no motel, foi logo para o forró e pegou uma menina de 17 anos para ficar. 
Eu fiquei mesmo com o edil mais tranqüilo, que gosta de romancear tudo o que vê e que é fraco para bebidas. Aproveitei e enchi seu copo várias vezes, e o meu também. Mas o nosso legislador foi mole na balada, caiu rápido num sono profundo, e eu que não sou besta, e no fundo queria isso mesmo, aproveitei para pegar a minha bolsa e me mandar. 
O táxi me deixou na porta de casa às 5 da manhã.  Jess só chegou às 9h, e está apagada até agora.
E aqui estou eu esquentando uma velha pizza para o nosso almoço. Um almoço de baladeiras.
               

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