Paulo Correia
Jornalista
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Todos os estabelecimentos comerciais estavam com suas portas fechadas há horas. O velhinho que vendia doses de cana e amendoins já tinha recolhido a sua barraca e se encaminhava para casa. Os moradores da rua já estavam dormindo ou trancados em casa vendo os últimos capítulos do filme das onze. Enfim, já era madrugada. Os cães sarnentos da avenida principal já estavam alojados nos cantos de muro ou embaixo de algum galpão. Somente aquele velho lugar estava aberto, com as suas luzes avermelhadas e uma música que saia abafada de uma velha caixa de som. A canção falava sobre amores perdidos e a melancolia na voz do cantor somente aumentava o sentimento de desilusão.
Ele já tinha terminado o seu turno fazia um tempo. O ônibus que dirigia durante parte da tarde e toda a noite se encontrava completamente apagado e descansava na garagem da empresa. O seu colega de farras tinha faltado naquela noite. Problemas de saúde com filho menor e brigas da mulher, que não gostava de bebedeiras. Ele não tinha filhos, nem muito menos uma companheira para gostar ou não de álcool em excesso. O cheiro da madrugada fria o fez esquecer o assunto. O som que vinha da casa de drinks o despertou do sonho de casamentos e prole. A dama o esperava para mais uma noite de conversas e, quem sabe, algo mais.
Ele entrou no salão e o garçom já providenciou a sua mesa. No canto escuro e próximo ao banheiro, como ele já havia pedido desde a terceira visita ao local. Isso já fazia muito tempo, nem ele nem ou garçom lembram exatamente quando foi. Um sujeto estranho como todos os que freqüentam a casa, lembra o garçom. Um homem sem muitas qualidades, sem brilho nos olhos. Um motorista frustrado, uma máquina que somente abre e fecha portas, que freia e que leva pancadas o dia inteiro. Um cliente igual a todos os outros.
Depois de três programas naquela noite, ela chega para perto de sua mesa. O cansaço do corpo e da mente é disfarçado com algumas carreiras de coca no banheiro imundo e café requentado. Duas bombas pré-programadas para explodir daqui a algumas horas. A euforia da cocaína dará lugar a uma depressão de muito choro, e a dor de barriga será o resultado do café. Mas agora não. Agora é a vez de seduzir mais um cliente. Hora de ouvir lamurias dos outros, fracassos dos outros. Mentiras e sorrisos falsos para agradar.
Ele conta sobre o seu dia. Fala que irá pedir demissão da empresa. Já não aquenta mais a chefia e os passageiros. Fala de um assalto ocorrido no dia anterior.
Ela imagina como é bom viajar de ônibus.

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