terça-feira, 25 de outubro de 2011

Décio Holanda

 Sílvio Caldas
(jsc-2@uol.com.br)

         Ultimamente tenho andado me perguntando qual será a idade ideal para morrer.
       Cheguei a perguntar ao doutor Vicente Modesto, meu cardiologista, o que significa realmente o risco cirúrgico. Ele sorriu e me disse o seguinte: o ser humano vive sob risco de morte, desde o dia em que nasce. Quando chega a hora dele, não há escapatória, de modo que não adianta pensar sobre esse assunto. Enfim, quem sabe é Deus.
         Sexta-feira passada, sem mais nem menos, o mano Décio partiu. Assim, de repente, dentro de casa, sem se despedir dos amigos.
         Disse-me Dominguinhos que ele aparecera no início da semana lá pelo Azulão – a catedral da boemia – meio macambúzio.
         Será que ele pressentiu alguma coisa?
       Eu soube por Pegado que estava tudo combinado para no dia seguinte formarem uma caravana para visitar Roberto Furtado em Muriú. Portanto, pelo menos naquela sexta-feira não estava nos seus planos qualquer encontro com a sinistra.
         Cerca de um mês atrás encontrei-me com Décio na casa de Clênio. Tomou duas doses de whisky e pediu licença para se retirar. 
        - Que é que há? Não está gostando do tira-gosto, diga logo – insultei.
        - Nada disso – respondeu-me com aquela voz rouca característica. O problema é que hoje é sexta-feira e é dia de levar Gracinha para dançar na AABB. E ai de mim, se falhar!
         Todos sorrimos, e lá se foi, banzeiro e bonachão o amigo, a quem estava vendo pela última vez.
         O negócio dele, nos últimos tempos era nos relatar as aventuras do netinho.
       Não parecia, mas Décio era homem de cultura geral bem acima da média. Homem sofrido na vida, embora tenha recebido dos pais excelente formação – e talvez por isso mesmo – não demonstrava o menor apego às coisas materiais. Um homem simples, mas que jamais foi um simplório. Desconheço quem não gostasse de sua companhia. Quando passava da terceira dose, se o ambiente era musical simplesmente pegava o microfone e começava a cantar. No início, afinado, lembrando, sem ser imitativo, Martinho da Vila, principalmente quando cantava Jaguatirica. 
         Certa feita (Gracinha estava presente), pedi-lhe para cantar aquele samba que começa “Já tive mulheres”. Olhou-me de cenho, fechou a cara e respondeu: esqueci da letra.
         - Como esqueceu a letra? Ontem mesmo, no clube de Engenharia, você cantou.
         - Já lhe disse que esqueci a letra e pronto!
         Depois foi que me esclareceu, chamando-me num canto.
         - Sílvio, jamais me peça para cantar essa música na frente de Gracinha, pois ela não gosta.
         Cai na risada, mas o assunto ficou encerrado.
     Minha amiga Gracinha, de uma coisa eu tenho certeza: vocês se amavam e foram felizes. Prefira,  portanto,  mandar a tristeza às favas e guardar na saudade, para sempre, o grande companheiro que tinha muita consciência do que você significava para ele.

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