terça-feira, 18 de outubro de 2011

Uma flor em meio ao caos

Paulo Correia
Jornalista
paulo.correia@r7.com

Ele nasceu em uma família rica. Estudou nos melhores colégios de Natal e teve uma educação das mais completas, com cursos fora do Brasil, onde aprendeu diversos idiomas e cultura geral. Aprendeu que riqueza e cultura vem depois de humildade e educação. Foi um jovem feliz. Na fase adulta, com 25 anos, perdeu os queridos pais em um trágico acidente automobilístico. Naquele dia resolveu abandonar toda essa vida de confortos. Largou tudo e foi morar nas ruas. Para o restante da família, ele havia ficado louco.
Nos primeiros anos vagou por toda a Grande Natal, por suas periferias e áreas nobres, sempre pelos cantos. A barba e os cabelos deixou crescer. Assim era mais fácil esconder dos outros seu verdadeiro rosto. Vestia-se com as roupas que conseguia catar nas ruas. Viu o mundo sujo e perverso das cidadelas. Apanhou de policiais, de donos de mercados e de pivetes viciados em crack. 
Em um domingo qualquer, ele foi visto atravessando a BR 101 com destino a Parnamirim. Vestia-se de velhos trapos, com uma sacola encardida nas costas, levando Deus sabe o que, e com a longa barba escondendo o rosto. Andava com a melancolia dos que já não tem mais o que perder, sem a pressa dos atarefados homens de gravatas que circulam por todo lado. 
Passou por alguns mendigos, esses estavam completamente bêbados. Entorpecidos para poderem aguentar a realidade que teimava em tirar suas noites de sonhos. Dentes podres que riam da loucura de nossos tempos. Ele seguiu a diante. Duas viaturas da polícia passam bem perto dele. O temor de novamente ser parado, e acusado de ter feito o que não fez, congela os seus passos. Não foi dessa vez. Os carros seguiram sem importuná-lo. A lembrança das surras voltaram com força máxima em sua cabeça. Nem uma leitura de páginas policiais ou livro era mais chocante que os berros e chutes dados pelos PM´s que o quebraram pela primeira vez. O cuspe em sua face foi o gran finale de uma noite de horror.
A lembrança sai de sua cabeça com a risada gostosa de uma turma de operários que se encaminhavam para entrar numa fábrica localizada por onde ele passava. Semi-escravos, trabalham o dia todo, mal vêem seus filhos e esposas, mas ainda são felizes. “Porque não segui esse caminho?”
Mas à frente, passa por ele um estridente e veloz 4x4. Na direção, um garotão de uns 20 anos, e ao seu lado uma loirinha bem da gostosa, mas com cara de quem deixa a mãe sem um real no bolso em casa e posa de bonequinha de luxo para os amigos. Uma juventude consumista ao extremo, egoísta, e falsa com ela mesmo. “Será que eu seria um jovem babaca como eles? Não sei.”
Já nos arredores de Macaíba ele encontra um cachorro vira-lata. Esse abana o rabo para ele, e mostra toda uma alegria que nem a sua magreza de fome e ferimentos conseguem apagar. O bicho-homem, que se considera tão inteligente mas na verdade não é, deveria aprender com esses animais algumas coisas. 
Em Macaíba, um recanto somente seu. 
O lugar é feio. Músicas românticas, que falam em dores amorosas e perdas dão o tom na pequena pista de dança. Garotas e senhoras, vindas da cidade ou do interior são as comandantes do ambiente. Os clientes são velhos solitários, pescadores, serventes de obras, alguns ladrões de pequenos furtos, caminhoneiros, e o andarilho que já foi muito rico. Ali, as putas já não fazem caras e bocas para enganar seu ninguém. Não recorrem a risos falsos para tapear um jovem mais afoito. Ali, o jovem afoito não vai. Naquele lugar somente vai os rostos conhecidos. E todos, todos, não tem esse dinheiro para esbanjar. As meninas de vida fácil conhecem a vida dos participantes daquela casa famosa. Sabem que são pessoas tão ou mais necessitados que elas. Cegos solitários se esbarrando em meio a canções tristes. 
No meio do salão ela aparece. Bonita, com uma elegância que não se apagou naquela sarjeta e que vem ao seu encontro. Senta-se ao seu lado e deseja saber sobre mais aquela caminhada. O seu sorriso é o pagamento, o refresco, a tranquilidade que ele esperava. O percurso desgastante teve fim, e a coroa ao campeão não poderia ser melhor. Para ele, ela é a flor que nasceu no meio do asfalto sujo e pedregoso.
Para ele, ela é a salvação.         

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