quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Zezé Motta: o estereótipo e a exceção da mulher negra no cinema


O papel da mulher negra na dramaturgia tem na figura de Zezé Motta um estereótipo e uma exceção ao mesmo tempo. Talvez ela seja a principal representação da mulher negra na televisão, muito em decorrência do sucesso internacional do filme Xica da Silva, dirigido por Cacá Diegues em 1976. A exceção fica por conta do espaço conquistado desde sua estreia, em 1967, na histórica peça Roda Viva, de Zé Celso Martinez. Uma mulher ainda inexperiente e negra em alguns dos grandes papéis do teatro e da televisão.
Pelo histórico no cinema, na televisão, no teatro e ainda na música, Zezé Motta foi a homenageada da 7ª edição do festival de cinema Goiamum Audiovisual. O evento foi aberto na última segunda-feira com a presença da própria Zezé Motta no auditório do IFRN Cidade Alta, quando rendeu loas ao caráter formativo do Festival e ainda cantou músicas de Vinícius de Moraes e João Nogueira. Dedicada ao “Feminino”, o Goiamum – inserido no Natal em Natal 2013 - prossegue com programação gratuita durante toda a semana.
Com 47 anos de carreira e um sem número de personagens de empregada doméstica nas costas, a “cantriz” (mistura de cantora e atriz) – como se define - atuou em novelas das principais redes televisivas do país e nos palcos fundamentais do teatro, protagonizou inúmeros papéis no cinema e lançou mais de dez discos. Esta carioca multifacetada conta abaixo que o grande papel de sua carreira ainda virá, em 2014, quando interpretará Tia Ciata, no longa-metragem de estreia de Denise Saraceni no cinema, ‘Pixinguinha – Um Homem Carinhoso’.

RODA VIVA
Roda Viva foi uma loucura. Fomos até espancados pela polícia do Rio. Mas foi outra época, de ditadura. Mas acredito que hoje ainda há uma galera menos preocupada com a coisa comercial do teatro e ainda focada na crítica, na denúncia. Já o momento do cinema é dessas comédias tão... (risos) economicamente viável. Acho que há uma meia dúzia de cineastas numa luta solidária para que o cinema continue com essa função social de crítica.

NEGRO NA TV 
Integro um movimento negro contra a discriminação desde os anos 70. Foquei neste tema porque quando cobrava dos diretores melhor presença do negro na TV ouvia desculpas estapafúrdias. Uma delas é que não sabiam onde encontrar atores negros; outra é que eram inseguros nos testes. Ora, quem não é? Criamos então o Centro de Informação e Documentação do Artista Negro, o Cidan. A partir daí, todos passaram a saber onde encontrar excelentes atores negros. Mas acredito que essa situação mudou. Hoje eu até posso fazer mais um papel de empregada doméstica, mas desde que seja protagonista (risos), e não a reboque de outros personagens. Olha, fiz tanto papel de empregada que uma escola de samba do Rio, quando me homenageou criou uma ala só de empregadas domésticas (risos). Mas veja: hoje temos um Lázaro Ramos, uma Thaís Araújo, uma Sharon Menezes em importantes projetos do cinema e da televisão.

XICA DA SILVA
Passado o sucesso do filme, quando viajei com Cacá Diegues o mundo inteiro divulgando, um dia liga lá para casa o Walter Avancini (diretor). Perguntou se eu topava interpretar a mãe da Xica da Silva na telenovela que seria exibida na Rede Manchete. Eu tomei um susto que você não tem ideia. Fiquei paralisada com o convite. “Como pode eu, a Xica da Silva, interpretar a mãe?”. Eu pedi ao Avancini para pensar e responder depois. Mas fiz as contas e, poxa, o filme já tinha 23 anos e o convite foi uma senhora homenagem que eu poderia prestar ao personagem e a mim mesma. Até me arrependi em ter pedido para pensar, liguei para ele e topei fazer.

CANTRIZ
Sinto-me mais à vontade como cantora do que como atriz. A música me dá um pouco mais de liberdade de encontrar trabalho. Como não sou produtora eu dependo muito de convites para atuar e de ter a sorte de ser um bom personagem. Adoro papéis dramáticos; acho bem mais fácil do que fazer comédia. E o trabalho do ator é um desafio a cada papel. Tanto que sempre nos primeiros capítulos de uma novela eu não gosto do meu trabalho porque o ator demora um pouco até encontrar o timing do personagem. Já no teatro há um tempo maior de preparação do personagem até a estreia do espetáculo, embora esse tempo tenha diminuído muito de um tempo pra cá, para economizar custos com ensaio. Fosse em outra época as companhias iriam à falência (risos). Mas me sinto em estado de graça seja quando canto ou quando atuo. Sou uma cantriz (risos).

CINEMA 2014
O grande personagem que ainda não fiz acho que eu farei em 2014. Sempre quis interpretar Tia Ciata, a mãe do Pixinguinha. Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata, foi uma cozinheira e mãe de santo brasileira, considerada por muitos como uma das figuras influentes para o surgimento do samba carioca. Tudo começou no quintal da casa dela.

O FESTIVAL E NATAL
 Adoro esse formato de festivais de cinema. Além do caráter de formação de atores, é uma oportunidade de reencontrar amigos, trocar figurinhas, dar sugestões. E este festival (Goiamum) mostra preocupação na formação de novos cineastas. Também gostei do foco na homenagem ao “Feminino”. E é um evento que suportou a falta de patrocínio em outras edições, né? Então tem que se elogiar essa resistência, essa vontade de ajudar o cinema. E Natal é uma cidade maravilhosa. A primeira vez que estive aqui foi logo após o sucesso de Xica da Silva, como convidada de um baile de debutante (risos). Mas já cantei aqui também, depois. Não me recordo o nome do lugar. Foram várias vezes aqui. Adoro. Amanhã espero poder tomar um banho de sol antes de zarpar. Enfim, é um prazer enorme poder voltar aqui diante de uma iniciativa tão enriquecedora que é o Goiamum, este evento que tem um papel tão bacana em defesa do audiovisual.

 Foto: Marcelo Barroso

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