sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Poeira mortal


 Leonardo Sodré*

Em meados do mês de outubro de 1990 eu e o sociólogo Francisco Busch Magno (Chico), corríamos o nosso terceiro Campeonato Brasileiro de Rallye Endurance. Tratava-se do conhecido Rallye Rota do Sol, que a partir da Bahia, percorria todo o Nordeste em 11 dias, inclusive com uma escala em Mossoró.
Era uma longa competição, com etapas intermináveis de muitas dificuldades para a pilotagem e navegação e que eram agravadas por uma eterna poeira dentro do carro que, misturada ao calor e o suor, terminava por se entranhar por todas as partes do corpo, apesar dos macacões especiais que usávamos.
Chico, de pele muito branca, tomava cuidados especiais: várias marcas de filtros solares, muitas camisetas de mangas compridas, cremes especiais para o nariz e mãos, protetores de ouvidos (ele nunca conseguiu se acostumar com o meu ronco) além de máscara cirúrgica para não inalar nenhum vestígio de poeira. Ah! Tinha as luvas. Uma para cada função. Luvas para colocar cordas de reboque, para trocar pneus, para regular o carburador, para ver o nível do óleo, a água da bateria, para trocar o filtro de ar, etc. Não faltava nada, tampouco alguns copinhos de isopor para estratégicas latas de cervejas nos fins de dia. Hoje, com certeza, seria considerado um metrossexual.
Mas, ele cometeu um erro. Comprou uma única máscara cirúrgica, que usava durante todo o dia. Ora, ela começou a se encher de poeira e quando entramos numa região de piso vermelho no sertão da Bahia, o aspecto do meu navegador lembrava muito um de um ser extraterrestre. Para conseguir ler os instrumentos de navegação durante a noite, improvisava uma enorme lanterna preta de pilhas, sobre o capacete, desarrumadamente afixada com fita adesiva. Ficava terrível, realçado pela máscara e, durante o dia, um óculos escuro de gosto duvidoso. Tanto, que um garotinho, lá em Salgado do Melão – cidade que fica na entrada do famoso Raso da Catarina -, deu uma baita carreira quando Chico se dirigiu a ele para perguntar aonde tinha um bar. Foi carreira daquelas que os pés batem na bunda.
Ao meio dia numa região desértica já no Estado de Sergipe, ele começou a sentir náuseas. Não conseguia respirar, ficou vermelho e frio. Aí, esqueci a navegação e botei o carro para andar na esperança de encontrar uma cidadezinha que constava no livro de bordo, a uns trinta quilômetros.
No meio do caminho, depois de uma sucessão de curvas difíceis, a fiscalização da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) nos parou. Na afobação Chico tinha esquecido de colocar o cinto e o capacete. Íamos ser desclassificados. Contrariado, desci para conversar com o comissário Tuca Cunha (antigo campeão Sul-Americano de Rallye de Velocidade nos anos 1980), maior autoridade da prova. Expliquei que Chico estava morrendo, não conseguia respirar, etc. Nesse momento ele olhou para Chico e disse:
- Tire essa máscara imunda, que ele respira de novo...
Chico vive até hoje.

Jornalista e escritor
DRT 0985 RN
(Agosto 2005)

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