Por Leonardo Sodré
O diálogo acontecia num tradicional bar e restaurante de Mossoró, na época, nas cercanias da cidade, em meados dos anos 1980:
-Compadre, eu vou me deitar na mesa e você faz o discurso da minha despedida aqui da terra. Você prometeu que faria isso quando eu morresse, e, eu quero escutar, porque não tenho certeza se no dia eu vou estar atento, sorriu.
Depois de o garçom esvaziar a mesa de inúmeras cervejas e tira-gostos, que incluía deliciosos pedaços de galinha caipira, ele deitou-se e o discurso foi dito. Discurso que emocionou os amigos e todos os que estavam por perto. Até o defunto chorou.
Depois de tudo arrumado, a farra continuou, com os dois amigos rindo da empreitada. Raimundo Soares de Souza, ex-prefeito de Mossoró nos anos 1960 e Chico Burrego, seu fiel motorista, amigo e compadre. Anos depois o discurso de Raimundo foi repetido, dessa vez, de verdade, no túmulo de um dos maiores motoristas de Mossoró, que por ironia do destino, havia morrido atropelado.
Eles protagonizaram muitas histórias engraçadas. Nos meses de janeiro e fevereiro Raimundo costumava alugar casa de veraneio em uma das praias do litoral de Natal e lá ouvi muitas histórias e vivi pelo menos uma, pois na ausência de um bom jogador de buraco, fui escolhido para compor uma dupla com Burrego. Jogávamos contra Raimundo e seu filho Silvério (meu compadre) e durante toda uma tarde, entrando pela noite, não havíamos perdido uma só parada. Eu estava impressionado comigo mesmo – que jogo terrivelmente mal - e com a perspicácia de Burrego, que batia uma atrás da outra.
Raimundo reclamava e Silvério, na sua eterna calma, nada dizia, apenas alisava a barba, que naquele tempo usava. Em dado momento, numa das batidas de Burrego, que imediatamente começava a contagem e juntava todas as cartas, Silvério foi mais rápido e descobriu as cartas, encontrando por baixo muitas que não compunham jogo algum, as chamadas “bêbadas”, que Burrego, ardilosamente, colocava por baixo das que formavam o jogo final.
A reação de Burrego ao olhar fuzilante de Raimundo, que detestava perder foi inusitada:
-Compadre, esse menino está ficando muito sabido!
Raimundo vingou-se contando uma história do tempo em que era prefeito de Mossoró. Disse que em determinada ocasião saiu com seu compadre para inspecionar obras em alguns distritos, aproveitando para conversar com suas bases eleitorais. As estradas eram precárias, e já a noite, no caminho de volta para casa, ele coloca a mão no ombro de Burrego, que dirigia em silêncio, e diz:
-Você sabe como o povo é compadre. Nós somos muito amigos, sempre estamos juntos, almoçamos juntos, jantamos juntos, visitamos os distritos juntos, você me leva para a prefeitura, vai buscar...
Burrego, aproveitando uma das freadas, num dos inúmeros buracos da estrada, interrompe Raimundo e pergunta a razão daquela conversa toda. Raimundo, ainda com o braço rodeando o ombro de burrego e segurando o riso, responde procurando ficar o mais sério possível, com voz grave:
O povo está falando...
Burrego não diz uma palavra, continua atento a estrada e mexe os ombros, como se tivesse sido picado por um inseto, conseguindo tirar a mão de Raimundo do seu ombro. Passam-se uns três minutos, a estrada já estava mais lisa, e ele olhando para Raimundo, pergunta:
-Compadre, me diga uma coisa: prefeito não tem cu não é?
(Junho de 2005)
(Junho de 2005)
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