sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O desenhista misterioso

Leonardo Sodré*

A reunião da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (Samba) transcorria pacificamente numa das mesas do Bar de Nazaré, na rua Coronel Cascudo, Centro de Natal, hoje apelidado pelos freqüentadores de “Fecha às 10”, em protesto ao horário de encerramento das atividades imposto pela dona do estabelecimento.
Na pauta, a festa “Cabaré Night Beco” programada para o início do mês de julho de 2004. Discutiam-se detalhes de horários, músicos que iriam se apresentar e ornamentação. A calma foi intempestivamente quebrada quando Nazaré interrompeu a reunião para dizer, muito séria, quase irada, que estava fazendo uma investigação na tentativa de descobrir quem seria o autor dos pequenos triângulos que estavam sendo repetitivamente desenhados no imaculado banheiro do seu bar.
Adiantou que já havia descartado três suspeitos, mas que outros estavam na sua lista de desconfiança. Bradou:
- Não vou descansar enquanto não descobrir quem é esse cabra safado!
Eduardo Alexandre, diretor executivo da sociedade, perguntou:
- E se for uma mulher?
Os olhos fuzilavam quando ela respondeu:
- E mulher gosta disso, Eduardo?
Ele gargalhava quando retrucou:
- Tem umas que gostam...
O tempo, que já era de chuva fechou-se ainda mais. Nazaré fez um longo e inflamado discurso sobre as regras do seu bar, do respeito que exigia e que não agüentava mais ficar raspando as ditas, todos dos dias. Depois, batendo os pés, saiu de perto do grupo.
A reunião parou. A pauta foi substituída pelo assunto do momento: os triângulos ou priquitinhos, como disse alguém, do banheiro de Nazaré, que têm como características serem minúsculos e amontoados uns juntos dos outros, como numa passeata erótica.
O poeta Plínio Sanderson foi ao banheiro, esquecendo sua caneta sobre a mesa. Passou a não ser mais suspeito, mas o cerco começa a se fechar e minutos depois o artista plástico Franklin Serrão também vai ao banheiro priquitiniano e como demorou muito, passou a fazer parte do rol dos acusados.
O clima no bar era tenso e todos os olhares eram inquisitivos, acusadores. Mas, com o passar do tempo e da chuva, mesas foram instaladas na calçada e parte da rua e o ambiente foi ficando mais leve, alegre. O assunto, entretanto, continuava o mesmo.
Alguém disse que os priquitinhos eram pequenos e comportadamente cabeludos, com no máximo sete pentelhos. Motes foram dados. Poesias foram feitas, mas muita gente continuava sob suspeita. Até o comportado artista plástico Valderedo Nunes, que chegou depois, quase no fim dos trabalhos etílicos, passou a fazer parte do rol de suspeitos. As brincadeiras rolavam e todos acusavam uns aos outros. Pensei: o autor, se estiver por aqui, está se divertindo muito. Quem será?
Curiosamente canetas sumiram dos bolsos. Ninguém queria parecer culpado e um consenso foi estabelecido pelo representante do cronista Edgar Allan Pôlla: doravante os homens iriam em bloco ao banheiro. Pronto! – disse – Ninguém mais vai ser acusado...
Um bêbado desconhecido que ia passando disse:
- Vão pensar que é reunião de fresco...

*Jornalista e escritor
(Junho de 2004)

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