quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

As portas se abrem. É a vez de Neide - (Releitura da visita de padre Marcelo Rossi á livraria Siciliano)

Larissa Moura*
Era de manhãzinha, Neide já havia posto o feijão no fogo quando ouviu o anúncio no rádio: “Hoje o padre mais querido do Brasil passará a tarde autografando seu mais novo livro na Livraria Siciliano, no Shopping Midway, em Natal”. Para seu desespero, ela esqueceu que naquele havia combinado de chegar de madrugadinha com as filhas na fila dos autógrafos.  Mesmo assim, uma hora depois já estava pronta para sair.

O marido não gostou muito da idéia da mulher passar o dia inteiro fora de casa pra falar com um padre. Mas, Neide é esperta, levou um livro pra si e outro para o esposo, um para irmã, outro para sobrinha, para uma amiga da igreja e outro pra sogra. Assim, toda família contava com ela para receber uma benção. Depois de vestir a camisa de Mãe Peregrina, por o terço no pescoço e os livros na sacola, era hora de ir ao encontro do homem de Deus. Duas ruas depois o motor do carro velho se funde. Mas, nada abala uma mulher de fé. 

- E agora, o que vamos fazer? Pergunta o marido.

- Te vira. Ela responde.

Uma hora no ônibus e Neide finalmente chega á fila, que a essa altura, dava voltas no quinto piso do estacionamento do shopping. “Devo chegar até ele umas 18 horas”, calculou, mandando uma das filhas comprar água e pipoca “Bokus” na lanchonete mais próxima. Logo fez amizades com duas mocinhas que vieram do interior para falar com o sacerdote. Encontrou até velhas amigas. Teve a tarde inteira para reler as 125 páginas da obra a ser autografada. A essa altura, a fila não estava mais tão calma. Repórteres perguntavam:

- Quem aqui é do interior? Alguém de Caicó?

E vendedores do outro:

- “Olha o livro! Aceitamos Hiper, Visa e Máster!” Aumentavam a euforia.

As 17h chega à má notícia: “O padre não está mais autografando”. Depois de quase quatro mil pessoas, por mais santa que a pessoa fosse não havia mão humana que suportasse tanta dedicatória. Só para a governadora Rosalba Ciarlini, foram quatro livros.

Começaram os boatos de que teria engessado a mão. Garotas jovens, vestidas de branco, passavam dando um selinho, para cada livro, que já continha um autógrafo dele, mas a frase “Jesus te abençoe” digitalizada e copiada não agradou as senhorinhas.

- “Aposto que essa não é a letra dele...” Revolta-se Neide.

Após seis horas na fila e o estacionamento perdeu a luz do Sol e ganhou a luz da fé.

Com a confirmação de que o reverendo não estava mais fazendo dedicatórias à fila começou a se mover mais rápidamente. Hinos da igreja católica, de autoria do padre, eram cantados para esquecer o cansaço. Cada vez que a porta de vidro que dava para o corredor do shopping era aberta pelos seguranças, era uma gritaria. Neide já tem a máquina fotográfica na mão. Combinou com a amiga pra que ela tire sua foto e visse-versa. As portas se abrem. É a vez de Neide.

Nada de gesso na mão do padre. Apenas uma tala envolvia a mão do reverendo, que já recebera massagens terapêuticas para aliviar as dores. Visivelmente cansado, mesmo assim risonho, dava a benção a cada fiel que passava pelos vários seguranças posicionados no corredor da loja, que tinha sido fechada só para o evento. Alguns paravam para comprar mais um livro, enquanto havia tempo. Neide já está de cabelo solto, batom e perfume retocado. Sua amiga passa pelo stand rápido... Mas, e a foto?

Mãos brancas e quentes encostam nas suas, “Jesus te abençoe” diz o padre. Antes de dizer “ao senhor também!”, Neide viu os olhos azuis do padre se distanciarem enquanto era encaminhada para a saída. Tanto tempo na fila... Mas logo a decepção dá lugar ao orgulho por ter recebido a benção do seu padre preferido.
- O que é pouco para um homem, é muito para um cristão (...). Da próxima vez filha, viremos de ônibus. Combina.

*Estudante de jornalismo

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